Os media rendem-se a Fátima

Eduardo Cintra Torres
Correio da manhã 15.05.2016 00:30 

Entre Fátima e Tomorrowland, as diferenças são enormes, mas há também semelhanças. 

Disse uma peregrina a uma TV: venho a Fátima e "recarrego baterias" para o ano todo. À noite, a MTV mostrava um programa sobre Tomorrowland, festival de música na Bélgica num recinto parecido com a Disneyland, onde os convivas vivem uns dias "fora do mundo", com moeda própria, música e bebidas. Entre Fátima e Tomorrowland, as diferenças são enormes, mas há também semelhanças. A efervescência da multidão, o estar no seu seio, a partilha de alguma coisa com muitos, o rompimento do quotidiano, acrescentam a mística de Fátima e criam a do festival. Uma jovem disse à MTV que "a música é a nossa religião", mas um DJ, negando, disse que há qualquer coisa na partilha e no ajuntamento que eleva as pessoas. Mas Fátima é entrega e sacrifício. Pagam-se promessas, com sacrifício pessoal, que os peregrinos transformam em força e em alegria. Já para se ir aos festivais, paga-se para ter prazer e alegria, sem sacrifício físico e com um benefício espiritual que tem de se renovar constantemente, como a ida ao futebol. Uma rapariga disse à MTV que ir aos festivais se tornou um estado normal. O preenchimento espiritual é aqui mais efémero. Há, entretanto, outra semelhança entre estes eventos multitudinários: o interesse da TV, que se péla por multidões. Há media portugueses pouco dados a noticiar a religião e alguns, se o fazem, são enviesadamente negativos, como se a religião fosse, vejam lá, um "pecado". Mas, chegando Fátima, o ateísmo, jacobinismo ou laicismo militantes desses media derretem-se. "Estrebucham no papel os livres-pensadores", escreveu Torga. Não faltam transmissões em directo. Reportagens sobre peregrinos a caminho. O velho lema "Fátima, Altar do Mundo", com mais de 60 anos, fez sexta-feira a primeira página de um diário. Vêm aí três novos filmes sobre Fátima. Declarações de peregrinos deixam repórteres embasbacados. Revelam uma diferença notável em relação aos festivaleiros: enquanto os primeiros são convictos e consistentes na afirmação de fé, os convivas nos festivais são inconsistentes e com uma única convicção, a da alegria que se esgota em si mesma; a dos peregrinos tem uma profundidade, mesmo nas explicações mais singelas, que nenhum festivaleiro alguma vez atinge: daí a necessidade de pagar para repetir a dose. A transferência da expressão religiosa para manifestações não-religiosas, que começou em 1790 em França, como festas cívicas, festivais de música, desfiles políticos e futebol, não conseguiu matar a religião, porque ela parte da base profunda da sociedade. A TV, por estes dias, junta-se a ela para manter a sua própria base de apoio, a audiência. 

Portas: voltar à TV é voltar à política Só faltava saber quando: Paulo Portas como comentador. Ex-jornalista, ex-político, refugiar-se-á na TVI no comentário de política internacional (até ver, digo eu). Terá sucesso, porque é dos políticos que melhor dominam a retórica actual: à-vontade, coloquial, frases curtas e sonoras. Fica a dúvida: a televisão servirá de trampolim para quê?

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