O ensino privado é um toalhete Kleenex

Económico 20160523 José Miguel Júdice

Para a esquerda pura e dura, que está no poder e arredores, a estatização das actividades produtivas é um sonho e um desejo. A iniciativa privada deve existir apenas se e na medida em que a iniciativa pública (ainda) se lhe não possa substituir-se.
Declaração de interesses: desde os 6 anos até à licenciatura só estudei em escolas públicas. Sempre defendi a importância do ensino público de qualidade. Apenas lamento que cada vez menos ele seja o “ascensor social” que era (com muitas limitações, eu sei…) no tempo da Ditadura.
Estou pouco motivado para intervir no espaço público. Mas a recente e polémica decisão de um ministro da Educação, talhado para o disparate, em relação aos contratos de associação e a sua inequívoca motivação ideológica, fez-me sair do meu silêncio.
O apoio total de António Costa à medida, que não me admira num homem de esquerda, espanta-me num político arguto; e apenas confirma que – obrigado que vai ser a tomar medidas impopulares nos próximos meses – não resistiu à clássica habilidade dos políticos que sabem que estando acossados precisam de criar tensões que agrupem os do seu lado. No fundo, está a reunir as tropas para enfrentar um “inimigo comum” e com isso reforçar a coesão necessária à sobrevivência de todos os desse lado… e com isso conseguindo que engulam alguns sapos vivos.
Seja como for, esta estratégia é um sinal de que a esquerda aprende pouco e esquece muito. Mas, por isso, é coerente. Para a esquerda pura e dura, que está no poder e arredores, a estatização das atividades produtivas (e ainda mais quando por aí pode ser feita produção ideológica) é um sonho e um desejo. A iniciativa privada deve existir apenas se e na medida em que a iniciativa pública (ainda) se lhe não possa substituir-se.
Por isso, o atual poder político aplica a tese de que o apoio ao ensino privado não se justifica em si mesmo pelo apoio à liberdade, à diversidade e ao pluralismo (para não falar da qualidade que revelam os ‘rankings’…), mas apenas pela pragmática necessidade de o usar como uma espécie de função subsidiária condenada a desaparecer com a chegada da escola pública aos mais recônditos e isolados recantos de Portugal.  
Esta lógica (com o pretexto de poupar pouco mais de 20 milhões de euros numa governação que não é muito dada a poupanças…) está – como é normal de um Governo fraco de uma esquerda forte – a invadir toda a realidade portuguesa; e não vai seguramente parar.
Se for ouvido e lido com atenção o que dizem o tal ministro e uma sua secretária de Estado (e o que revela a irritação de Costa perante as manifestações e destila o seu discurso), e se retirarmos a palavra “ensino” e a substituirmos por “saúde”, “habitação”, “cultura”, “indústria”, o discurso mantém a mesma coerência, que perderia se o tema fosse apenas o dos contratos de associação.  
De facto, para quem ache que o Estado (cada vez mais controlado pelo poder sindical, como se descobre a olho nu) deve ser o agente produtor daquilo que é importante para os portugueses, evidentemente que a iniciativa privada é comparável à prostituição: se não se pode acabar com ela, então que se regulamente, controle, se dificulte a montante e a jusante, e gradualmente se acabe com ela. No fundo é a mesma estratégia que se passa com o tabaco e a aplicação de ‘sin taxes’: não é o que se ganha, não é o que se poupa que interessa, mas um objetivo eticizado.  
Por isso o tema dos contratos de associação não interessa apenas aos pais, professores e crianças de umas poucas dezenas de escolas. Interessa a todos e cada um dos que acreditam na liberdade de ensino e na liberdade de iniciativa privada, e que não acham que o Estado – que nos conduziu onde estamos – é quem nos pode salvar. Todos esses devem pois vestir uma t-shirt amarela.
E não tenhamos dúvidas ingénuas. Para o Poder do dia, a iniciativa privada é como os toalhetes kleenex: usa-se enquanto serve e depois deita-se fora.
António Costa seguramente que não acredita, como um missionário da religião estatista, que esta seja uma boa política. Mas, friamente, acha que é uma boa estratégia. Contudo, às vezes as habilidades dos homens muito inteligentes saem caras aos que as praticam. Esperemos pois para ver.

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