O PS, a direita e os direitos democráticos

Henrique Monteiro
Expresso Segunda, 23 de Maio de 2016 

PS junta-se à direita para chumbar repúdio do PCP sobre destituição de Dilma”. Eis um título do prestigiado jornal ‘Público’ da passada sexta-feira. “PS junta-se à direita e recusa repudiar ‘golpe’ no Brasil’, noticiou o ‘Observador’. Outros jornais adotaram títulos menos ideológicos – “PS, PSD e CDS juntos no chumbo ao voto do PCP” (Expresso), mas poucos ou nenhum colocaram a questão no estrito plano da democracia. Porquê? Não sei! 
O voto em questão tinha cinco pontos. Num deles repudiava-se a destituição de Dilma e noutro, ainda mais grave do meu ponto de vista, exaltava-se a República Bolivariana da Venezuela (onde há fome e repressão com fartura), verberando “a desestabilização política do país” (neste ponto PS, PSD e CDS votaram de novo juntos). 
O mesmo PCP, quando foi discutido um caso sobre Angola, afirmou não se meter em assuntos internos de outro país. Foi assim que votou contra o repúdio pela condenação dos ativistas da oposição, ao lado do PSD e do CDS. Mas não viu nenhum título do género – PCP junta-se à direita. Porquê? Não sei! 
Os comunistas que sobre Angola nada dizem para não se imiscuir, imiscuem-se, e de que maneira, no que diz respeito ao Brasil e à Venezuela. Regista-se assim a duplicidade de critérios do PCP, coisa que tanto em matéria nacional como internacional ficou muitas vezes clara. Mas nada disto é salientado. Porquê? Não sei! 
Poderemos dizer o mesmo de partidos que votaram a favor da condenação de Angola e agora contra a do Brasil? Não me parece. A situação no Brasil, como já defendi, não é clara e menos ainda sã, mas mantém-se dentro de uma legalidade, pelo menos, formal. Do que se passa na Venezuela nem vale a pena falar: é uma violência extrema do Governo contra o próprio povo e as “ingerências externas” e “desestabilizações” correspondem, na verdade, a algo que Maduro não previa: a derrota estrondosa dos seus apoiantes nas eleições parlamentares. 
Nesse sentido, o título “PS junta-se à direita” é meia falsidade. Ou seja, é objetivamente verdadeiro, mas transmite a ideia de que defender a causa do povo venezuelano contra a proto-ditadura de Maduro é algo direitista, quando na verdade não é. É, apenas, democrático, princípio que tanto deve ser de direita como de esquerda. Ou que condenar deputados e senadores brasileiros pela forma como votaram é um bom princípio, quando também não é. Trata-se, uma vez mais, de respeito pela formalidade da democracia. 
Assim, outro título possível seria PS, PSD e CDS recusam apoiar política de Maduro. Ou PS, PSD e CDS recusam condenar decisões de deputados brasileiros. Qualquer destas posições nada tem a ver com ser mais à direita ou à esquerda e é, em si, muito diferente de recusar a condenação concreta de ativistas presos por estarem a ler um livro e acusados (nas alegações finais, coisa que brada aos céus pela tal falta de formalidade que o Estado de Direito impõe) de associação criminosa. 
De vez em quando, pelo menos, o PS tem de defender as suas tradições. E das suas tradições faz parte a defesa da democracia. Uma defesa, aliás, intransigente como foi antes e logo após o 25 de Abril. Ao contrário do que se noticiou – e eu penso ser insuspeito para o afirmar – não foi o PS que se uniu à direita. O PS foi apenas… o PS. 
Hoje em dia é que estamos menos habituados a essa circunstância. 
PS: Boa notícia o candidato presidencial da extrema-direita, na Áustria, ter perdido, ainda que por tão pouco. Notícia a ver: quem é o senhor que ganhou tangencialmente, apoiado primeiro pelos Verdes e, depois, por toda a gente? Por que razão os partidos do centro foram varridos? O que pensa o novo Presidente das funções que vai exercer? E da Europa? Eis o que não sei (e ainda assim, caso fosse austríaco, teria votado nele, em função do que sei do outro)

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