Meninos ricos, meninos pobres

Sofia Vala Rocha
Sol, 2016.05.31

Numa cidade há duas escolas pertinho uma da outra. Uma é de meninos pobres, a outra de meninos ricos. Na escola dos meninos pobres não há um pavilhão gimnodesportivo. Ou melhor, havia, mas estava em tão mau estado de conservação que a Câmara dessa cidade resolveu demoli-lo por falta de condições de segurança.
As crianças são agora forçadas a uma marcha de um quilómetro, duas vezes por semana, para poderem fazer educação física. Como não há transporte, vão a pé. Carregam as suas mochilas com muitos quilos às costas.
Nesta escola de meninos pobres não há cacifos. Ou melhor, até há. Mas para além de os alunos estarem proibidos de aceder aos cacifos fora dos intervalos, os cacifos são pagos. E esse custo é difícil de suportar para os pais, até porque perto de 40% dos alunos beneficiam de ação social escolar.
Esta escola não tem um pavilhão, um anfiteatro ou uma cantina digna desse nome, e a única liberdade de escolha que os alunos têm é, quando está mau tempo, decidirem se levam ou não chapéu-de-chuva para se protegerem no caminho para o pavilhão. Alguns preferem não levar, até porque já têm obrigatoriamente de carregar duas mochilas.
Os pais destes alunos descobriram agora que a responsabilidade do transporte escolar não era do município mas do Ministério da Educação. Já pediram várias audiências, mas até agora só obtiveram o silêncio como resposta.
Ao lado desta escola há uma escola que tem tudo. É uma escola de ricos. Uma escola modelo, daquelas que levaram as maravilhosas obras da Parque Escolar (a iniciativa que revestiu escolas a mármore e utilizou candeeiros Siza Vieira).
Perante tamanha disparidade, pergunta-se: há cidadãos de primeira e cidadãos de segunda? Há munícipes de primeira e munícipes de segunda?
Mas os pais dos meninos pobres dizem mais, e vou citá-los: “Por que é que todos pagamos impostos mas uns têm pavilhão, auditório e duas cantinas, e os outros nem transporte têm para fazer desporto e são obrigados a andar à chuva e ao sol com pesos absurdos?”.
Já sei que, neste momento, o leitor está a pensar que a escola dos meninos pobres é pública e a dos meninos ricos é privada. Estão duplamente enganados: as duas escolas são do Estado, completamente públicas.
As duas escolas são em Lisboa, a poucos minutos uma da outra. Ambas na freguesia do Areeiro. A escola pobre e sem meios é a EB 2+3 Luís de Camões. A escola rica remodelada pela Parque Escolar é a EB 2+3 Filipa de Lencastre.
O Estado fez aqui o que faz muitas vezes: planeou mal, geriu mal, executou pior. Gastou fortunas em mármores e Sizas Vieiras para uns, e condenou os outros a marchas forçadas ao sol e à chuva. Tratou de forma profundamente desigual os pais que pagam impostos. Tratou de forma desigual os alunos.
O Estado não precisou de nenhum contrato com privados para fazer asneira. Encarregou-se sozinho da tarefa.

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