Os filhos da adesão

João César das Neves
DN 2016.05.19

Há em Portugal uma geração enganada: os filhos da adesão, com cerca de 30 anos, sofrem enorme divergência entre o que esperavam e o que vivem. Aqueles que nasceram depois, os filhos do euro, já cresceram sem ilusões, educados em clima de austeridade, realismo e desconfiança. Os únicos ludibriados são os filhos da adesão.
O choque é fácil de descrever. Quem nasceu por volta de 1986 passou a infância em grande crescimento e sucesso. Portugal, apesar do natural receio pelo desafio europeu, teve melhorias espantosas nos primeiros anos na Comunidade. A taxa de crescimento de 1985 a 1992 foi 5,3% ao ano, enquanto o desemprego descia de mais de 9%, à data da adesão, para menos de metade, cerca de 4% em 1992. Nesse ano, quando esses jovens iam para o liceu, o país entrou no mercado único e no caminho para o euro. Começava então a crescer a dívida nacional mas, precisamente por isso, o optimismo era grande. Tudo parecia possível e faziam-se as promessas mais aliciantes. Foi neste clima eufórico que esta geração se preparou para a vida.
Tragicamente, as coisas pioraram de repente, assim que eles entravam no mercado de trabalho. O 11 de Setembro de 2001 toldou o clima mundial, logo quando Portugal começava as décadas perdidas: o crescimento do PIB entre 2001 e 2015 foi de 0,05% ao ano e a taxa de desemprego, 4% no mês do atentado às Torres Gémeas, subiu paulatinamente até 17,5% no início de 2013. Este contraste transformou as promessas de juventude em amargas falsidades. Muitos tiveram de emigrar, outros sofrem a precariedade laboral e salários baixos numa economia empatada. Podemos atribuir as culpas à União, ao euro ou às finanças, mas a principal responsabilidade pertence-nos a nós, os pais deles. Foi a minha geração quem criou a crise, e disso nada nos pode desculpar. Fizemo-lo com dois erros.
O primeiro foi a dívida. Muitos acham que qualquer endividamento representa uma carga lançada sobre os filhos, mas isso não é verdade. Quando a dívida é interna, alguns acumulam responsabilidades futuras, que serão entregues a outros nacionais. O país, como um todo, permanece em equilíbrio. Só quando a dívida é externa é que toda a sociedade consome aquilo que terá de pagar mais tarde. Aí o país realmente adia para o futuro os custos das benesses. Ora foi durante a juventude dessa geração que Portugal se viciou em dinheiro europeu. Em 1986 a fatia externa era apenas 28% do total da nossa dívida pública, descendo para menos de 7% em 1992. Foi então que começou a subir, para atingir 75% em 2005. Mesmo agora, depois da crise, ainda anda em mais de metade (55%) do total. O problema ainda é mais grave no lado privado, pois o Estado só tem 36% de tudo o que devemos ao estrangeiro. Isso significa que os enormes gastos feitos durante a menoridade dos filhos da adesão serão pagos por eles na sua vida activa.
Este elemento é incontornável e acompanhar-nos-á muitos anos. Uma outra dimensão, ainda mais relevante, tem solução mais simples. Além de endividar o país, a minha geração também blindou os seus direitos insustentáveis em leis, regulamentos e instituições. Sucessivos governos atribuíram aos cidadãos inúmeras benesses, alegadamente universais. Só que, com o fim do endividamento, a segurança no emprego, pensões generosas e outros privilégios acabaram atribuídos apenas aos que as conceberam. Os jovens de hoje sabem que não poderão gozar daquilo que os seus pais tiveram. Sobretudo porque essas exigências exageradas entopem o crescimento. De facto, além das benesses, Portugal foi adoptando leis de país rico, que a produtividade não suporta. Imposições de toda a ordem sobrecarregam as empresas, prejudicam a competitividade e alimentam exércitos de fiscais, funcionários e advogados.
Estes dois erros da minha geração, falta de capital e excesso de regulamentação, são as razões da estagnação. Ambas, desequilíbrio financeiro e carga normativa, estorvam a inovação, empatam o investimento, paralisam o progresso dos filhos da adesão.
A nossa democracia viveu duas fases muito diferentes. A geração que fez a revolução e aderiu à Europa deixou uma democracia a funcionar. A geração seguinte, a minha, endividou e bloqueou a economia, deixando um país doente. Os filhos da adesão, a terceira geração da democracia, têm agora justas razões de queixa. Mas eles detêm também a solução. Se conseguirem recuperar o capital e libertar a economia de interesses e regulamentos paralisantes, poderão retomar o lugar digno de Portugal na Europa. São eles quem nos pode salvar.

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