De Marx a Mussolini
André Azevedo Alves
Observador 28/5/2016
Num contexto de hegemonia quase absoluta da esquerda e extrema-esquerda nas redações da comunicação social portuguesa, José Rodrigues dos Santos – goste-se ou não do estilo – é uma presença incómoda.
Num artigo intitulado “O fascismo tem mesmo origem no marxismo?”, o jornalista do Público Paulo Pena procura – de forma tão obstinada quanto desastrada – atacar o também jornalista José Rodrigues dos Santos (o que não será indiferente ao incómodo e reacções que suscitou, escritor recordista de vendas) por este ter afirmado que o fascismo é um movimento que tem origem marxista.
Não li o mais recente livro de José Rodrigues dos Santos mas, independentemente da sustentação que essa afirmação possa ter (ou não) no livro, a verdade é que está longe de ser um disparate, podendo a ligação entre marxismo e fascismo ser razoavelmente defendida por vários prismas. Dentro das limitações inerentes a um artigo como este, gostaria de realçar duas: as muitas semelhanças práticas entre regimes de inspiração marxista e fascista e as similitudes no plano ideológico.
Começando pelas semelhanças práticas, vale a pena recordar características comuns como o regime de partido único, os movimentos de massas, o culto do líder, a supressão da democracia parlamentar, o intervencionismo económico, o expansionismo agressivo e a feroz repressão dos dissidentes internos, com recurso a um amplo leque de ferramentas incluindo polícias secretas e campos de “reeducação”. Há também diferenças relevantes entre as várias manifestações históricas desses regimes? Certamente que sim, desde logo por nem todos poderem ser considerados igualmente repressivos ou totalitários. Mas há semelhanças em grau e quantidade mais do que suficiente para não descartar as ligações entre eles.
Ligações que, tratando-se de fascismo e marxismo, encontram também expressão relevante no plano da genealogia das ideias. A trajectória política de Mussolini não pode ser reduzida a um mero caso de “transição abrupta entre ideologias adversárias”. Mussolini, figura de proa do socialismo italiano, foi um marxista ortodoxo que admirava incondicionalmente Marx e o tinha como uma referência absoluta no campo doutrinal. É verdade que a conversão de Mussolini à causa do nacionalismo italiano (com oportuno impulso francês) e o jogo dos alinhamentos internos e externos o acabaram por colocar como feroz concorrente dos comunistas, mas nem por isso o fascismo – que recolhe múltiplas influências – deixa de ser em boa medida o produto de uma divisão entre marxistas.
Não é por isso de estranhar que o fascismo partilhe vários traços ideológicos centrais com o marxismo: o colectivismo, a oposição ao liberalismo e – talvez mais importante no plano da acção política – a rejeição do pluralismo e a apologia da violência revolucionária. Entre revolucionários monistas, a única via para a resolução de diferendos é mesmo a violência. A tenebrosa história dos muitos milhões de vítimas dos regimes de inspiração marxista prova abundantemente isso mesmo. Daí que seja estranho apontar os “milhões de mortos” em conflitos associados a marxistas e fascistas para supostamente refutar a afirmação de José Rodrigues dos Santos.
Mas porventura o mais estranho no artigo de Paulo Pena é que se insira numa rubrica intitulada “Prova dos Factos”. Se se tratasse apenas – e assumidamente – de um artigo de opinião, seriam de lamentar as imprecisões e inconsistências (algumas das quais bastante grosseiras) mas pelo menos não estaria em causa a natureza do texto (apenas a sua falta de rigor e qualidade). Ao tentar apresentar-se como algo que notoriamente não é nem poderia ser, o artigo assume natureza mais gravosa por se inserir numa campanha de propaganda dirigida contra José Rodrigues dos Santos. Num contexto de hegemonia quase absoluta da esquerda e extrema-esquerda nas redações da comunicação social portuguesa, Rodrigues dos Santos – goste-se ou não do estilo – é uma presença incómoda. Mais ainda por não ser facilmente intimidável e por ter uma posição que lhe garante alguma autonomia.
Curiosamente, ao apresentar opiniões (ainda para mais mal fundamentadas) como “factos” e pretender cobrir-se de um manto de objectividade que evidentemente não tem, o artigo em causa evidencia uma outra característica: a instrumentalização da comunicação social para difusão de propaganda política disfarçada de análise supostamente “factual” – característica essa também comum tanto a marxistas como a fascistas.
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