Fazer-se de tolo e tomar-nos por parvos
Graça Franco RR online 19 Mai, 2016
O primeiro-ministro pode, e talvez até deva, fazer-se de tolo. O que já não pode é tomar-nos por parvos, como ensaiou com inegável sucesso junto dos seus deputados.
António Costa preferiu manter o discurso do “conseguimento” e fingir quer não percebe as exigências de Bruxelas, quando esta avisa que é preciso formular muito bem um conjunto de novas medidas que cubram o previsível buraco de 750 milhões deixado em aberto pelas novas previsões de crescimento. Isto, claro, se tivermos em conta apenas as medidas de cortes na despesa e aumento de impostos inscritas no vaguíssimo Orçamento aprovado.
Compreende-se que Costa não “panique” perante a exigência. Reganhar a confiança é neste momento fulcral. Insistir que tudo está previsto, desde início, é o mínimo que se exige a quem vê as expectativas deteriorarem-se a olhos vistos, mesmo entre consumidores. Além disso, não há nada de novo na exigência de Bruxelas relativamente à análise do Conselho de Finanças Públicas. As continhas nacionais da autoria da Dra. Teodora Cardoso também apontam para um défice de esclarecimento da ordem dos 1,7 mil milhões em medidas de cortes de despesa anunciadas no novo PEC até 2020 e que não se percebe de onde virão.
Mesmo conhecendo desde a primeira hora o anexo “escondido” do texto governamental, o Conselho de Finanças não conseguiu perceber quais serão as verdadeiras medidas de austeridade nos próximos anos, tal a vacuidade do seu enunciado. Por exemplo, como se conseguirão os 390 milhões de novas receitas previstos?
Claro que, se o Simplex vier mesmo simplificar, isso poderá traduzir-se em menos funcionários, menos estruturas de administração, menos despesa. Mas tudo isto a prazo. Sem que essas contas se assumam quando se anuncia à cabeça que o programa é para executar em dois anos.
No mais, tudo o que se anuncia é o congelamento nominal dos gastos, que só descem em percentagem do PIB porque este engorda automaticamente ao ritmo previsto “no Excel” em que já ninguém acredita.
O primeiro-ministro pode, e talvez até deva, fazer-se de tolo. O que já não pode é tomar-nos por parvos, como ensaiou com inegável sucesso junto dos seus deputados. Dizer que as medidas não são precisas porque a Comissão fala num défice de 2,7% do PIB (e o Governo o que pretende é ficar-se pelos 2,2%, ou seja muito abaixo …) não faz sentido nenhum.
Para começar: mais défice corresponde sempre a menos medidas de austeridade e nunca a mais. Ou seja, conseguir menos défice (os ditos 2,2%) seria substancialmente mais difícil do que conseguir os tais 2,7% que Bruxelas refere como um dado aceitável. O pior é estarmos a falar rigorosamente da mesma coisa. Ou seja, a Europa não pede um plano B (equivalente a 750 milhões de cortes ou novas receitas) para embirrar. Pede um Plano B porque não só acha que os 2,2 por cento de défice calculado pelo Governo se transformam automaticamente em 2,7% com menos crescimento económico, como, depois de analisadas as contas para ali chegar, ainda falta explicar como é que o Governo tapará o buraco de 750 milhões que as medidas já anunciadas deixam a descoberto. Só isso.
E porque falta então tanto dinheiro? Porque mais de metade do ajustamento previsto no Orçamento deste ano e reproduzido no PEC surge automaticamente do efeito de retoma do crescimento previsto. Quanto menor for a retoma na Europa e em Portugal mais “irrealista” a meta governamental de 2,2%.
De Bruxelas surgiu apesar de tudo, ontem uma boa notícia: pode o Governo beneficiar de mais um mês para a apresentação do chamado Plano B. Com o adiamento ganham todos. Nem Bruxelas caiu no ridículo de castigar o seu melhor aluno, nem perdeu a face mantendo a pressão sobre Espanha. Costa ganhou entretanto, de mão beijada, mais um mês para mostrar o que vale.
Mas adiar um mês não é adiar "sine die". As medidas exigidas para terem impacto de 750 milhões ainda este ano terão de ter um prazo de execução razoável (seis meses não é demais!). À beira do final do ano, nada ou quase nada, consegue o mesmo efeito, excepto as velhas medidas de “emergência” de cortes de salários e pensões, contribuições extraordinárias e congéneres. A nenhuma delas sobreviveria o Governo. Costa sabe disso e essa é a melhor garantia de que não só está devidamente previsto um plano B como não tarda iremos conhecê-lo.
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