Como cozer um primeiro-ministro em lume brando
Alexandre Homem Cristo
Observador 30/5/2016
Com a economia em degradação acelerada, Costa tem a garantia presidencial de que completará dois anos no governo. Ou seja, ficará o suficiente para ser desgastado pelas consequências dos seus erros.
O plano era simples. Tendo perdido as eleições, António Costa tomaria o poder à direita de mão dada com PCP e BE enquanto os seus interesses fossem convergentes. Implementaria um conjunto de medidas populares para o funcionalismo público e para corporações politicamente próximas desses partidos. Anularia as decisões mais impopulares do anterior governo. Garantiria reposições de salários e mais dinheiro nos bolsos dos portugueses, através de uma aposta no consumo para o crescimento económico. Esperaria que a evolução das sondagens lhe fosse favorável. E, por fim, forçaria rapidamente eleições legislativas para, então, as vencer e formar uma maioria parlamentar mais estável. Sim, o plano era simples, mas o que muitos davam como impossível era que estivesse hoje em curso. E está. A conquista mais notável do governo nestes seis meses foi essa: a de existir.
Uma conquista, diga-se, que surpreendeu muita gente mais à direita – incluindo eu próprio que, no pós-eleições legislativas, não acreditei que o plano de António Costa tivesse viabilidade política. Mea culpa. Mas essa é, contudo, apenas a mais óbvia das surpresas destes seis meses. As outras duas, que condicionarão o futuro, escondem-se à esquerda.
Primeiro, os indicadores económicos, pelos quais o governo será avaliado, estão a degradar-se muito mais rapidamente do que as piores previsões de PS-BE-PCP antecipavam, já sem falar no mais do que ultrapassado cenário macroecnómico de Mário Centeno. O desemprego aumentou, a criação de emprego diminui, as exportações abrandaram, o crescimento económico foi revisto em baixa e o investimento caiu. Em parte, porque o contexto internacional se tem agravado. Mas também porque a estratégia económica não está a resultar, além de que reverter privatizações, aumentar salários e voltar às 35 horas assusta e afasta quem pensa investir no país. Resultado: a desconfiança internacional voltou. E, afinal, ninguém pode censurar os parceiros europeus que desconfiam do compromisso de Portugal em consolidar as suas contas públicas quando os sinais negativos se acumulam – depois de uma proposta de Orçamento que foi desfeita por Bruxelas, o PS continua de mão dada com inimigos da iniciativa privada e a seguir a sua agenda laboral e corporativa. Os avisos acumulam-se e quase se dá por certa a necessidade de medidas de austeridade suplementares – hipótese que o governo nega sucessivamente. Obviamente, não se imagina como pode isto acabar bem.
Segundo, tudo indica, António Costa terá condições para se manter em São Bento durante mais tempo do que inicialmente poderia ambicionar. Com a direita parlamentar de mãos atadas, com um Presidente da República disponível para esticar a paz até às eleições autárquicas, e com os partidos à esquerda a tirarem pacificamente proveito da sua influência na governação, só por vontade própria o PS forçará eleições – o que é improvável, pois nem as sondagens lhe são particularmente favoráveis como não lhe interessa assumir os custos de uma ruptura na geringonça. Quando assumiu a chefia do governo, António Costa tinha pela frente um desafio de curto prazo: um ano para convencer os portugueses de que merecia vencer eleições. Ora, Marcelo ofereceu-lhe o segundo ano.
No balanço dos seis meses, António Costa procurou valorizar a segunda parte, enquanto muitos comentadores relembraram a primeira. Mas o mais interessante está na soma das duas: com os indicadores económicos a degradarem-se aceleradamente, Costa tem a garantia presidencial de que completará pelo menos dois anos como primeiro-ministro. Ou seja, ficará tempo suficiente para ser responsabilizado e desgastado politicamente pelas consequências dos seus erros. Como se coze um primeiro-ministro em lume brando? Marcelo explica: dando-lhe tempo.
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