D. Vicente da Câmara (1928-2016)
Morreu o fadista Vicente da Câmara
ALEXANDRA PRADO COELHO Público 28/05/2016
O fadista Vicente da Câmara morreu na manhã deste sábado, em Lisboa, disse à Lusa o filho, José da Câmara. O velório do fadista, que tinha 88 anos, realiza-se este sábado a partir das 16h, na Igreja da Graça, onde será celebrada missa, disse a mesma fonte. O funeral sai no domingo às 15h30 da Igreja da Graça em direcção ao Cemitério dos Prazeres.
Nascido em Lisboa a 7 de Maio de 1928, Vicente Maria do Carmo de Noronha da Câmara era filho de Maria Edite do Carmo de Noronha e do jornalista e locutor da Emissora Nacional João Luís da Câmara. Mas a figura determinante na sua futura carreira de fadista foi a da sua tia, Maria Teresa de Noronha, além do seu tio-avô João do Carmo de Noronha.
É precisamente a tia que o encoraja a participar num concurso da Emissora Nacional quando era ainda um jovem que começava a cantar o fado como amador em espaços como a Adega Mesquita, a Adega Machado ou a Adega da Lucília. Na primeira participação no concurso não ganha, mas no segundo ano, em 1948, conquista o primeiro lugar. Torna-se a partir daí presença habitual na emissora, onde Maria Teresa de Noronha tinha também um programa.
Em 1950 assina o primeiro contrato com a editora discográfica Valentim de Carvalho e grava fados clássicos como o Fado das Caldas, Varina ou Os teus olhos. Mas o maior sucesso surge em 1961 quando, tendo mudado de editora para a casa Custódio Cardoso Pereira, grava o célebre A moda das tranças pretas.
O seu repertório, lembra a Lusa, inclui ainda temas como Sino, de sua autoria, As cordas de uma guitarra ou Outono, com letra de seu pai, Triste mar, Maldição e Menina de uma só trança. O percurso do fadista inclui outros fados como Fado Lopes, Era mais que simpatia, Milagre de St.º António, Fado do Pão-de-Ló, ou Fado do João, Guitarra soluçante, O fado antigo é meu amigo e Há saudades toda a vida.
Em 1964 estreou-se no cinema, em A última pega, de Constantino Esteves, protagonizado por Fernando Farinha e contracenando com Leónia Mendes, Júlia Buisel e José Ganhão. Voltou ao cinema em 2007, sob a direcção de Carlos Saura, em Fados, onde protagonizou um excerto dedicado às casas de fado, ao lado de Maria da Nazaré, Ana Sofia Varela, Carminho, Ricardo Ribeiro e Pedro Moutinho.
Na década de 80 fez uma série de digressões pelo Extremo Oriente e em 1989 assinalou o 40.º aniversário de carreira com um espectáculo no Cinema Tivoli. Mas não parou de trabalhar, continuando na década seguinte a gravar e a dar espectáculos. Entre outros prémios, Vicente da Câmara foi distinguido com o Prémio Carreira da Fundação Amália Rodrigues. Em 2013 deu à revista Caras uma entrevista a propósito do concerto comemorativo dos seus 65 anos de carreira. Foi no Coliseu dos Recreios e com ele estiveram os filhos, ambos fadistas, José e Manuel da Câmara e a neta Teresa. Na referida entrevista, falava da importância que a família sempre teve na sua vida, do casamento de 56 anos com Maria Augusta de Mello Novais e Atayde, que morreu em 2011, e dos seis filhos e 18 netos que tiveram.
E dizia: “Quase que nasci a cantar”. Apesar disso, houve um período em que esteve mais afastado do fado, para regressar novamente a essa paixão de sempre a partir de 1982. “Nunca levei isto muito a sério”, confessava. “Fui um freelancer do fado e tive sempre profissões paralelas. Tinha seis filhos para sustentar e não tinha muito tempo para cantorias. Agora sim, tenho tempo. Vamos ver quanto tempo ainda me aguento. Eu gostava de chegar aos 120 e estou a fazer por isso.”
O editor David Ferreira descreve-o como um homem “elegante, delicado, gentil” e que a cantar “tinha um swing”. “Quando ele cantava a gente percebia que ele era o dono da bola”, diz. E lembra “com a maior simpatia” o facto de Vicente da Câmara ter um dia, num programa de televisão, rido do facto de no passado ter feito parte dos “puristas” que criticavam Amália, reconhecendo então que esse purismo do gosto numa determinada época tinha sido “um disparate” e que viria a ser, como todos, “esmagado” pelo talento de Amália. “Isso é muito simpático da parte dele num país onde as pessoas admitem pouco que se enganaram.”
Há ainda outro episódio que David Ferreira recorda quando pensa em Vicente da Câmara. “Ouvi-o uma vez a cantar o Fado Marialva, que não era nada o meu universo, mas de repente gostei, não havia ali nada de cliché; aquele fado, que era tantas vezes mal cantado, no Vicente era verdadeiro e bom. Mas que bem que ele o cantava!”
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