Estado, público e privado

Henrique Monteiro
Expresso, 4 de Junho de 2016

Em Portugal tem-se argumentado que, no ensino, o termo público equivale a propriedade do Estado. Porém, nos transportes (públicos) ou nos estabelecimentos (públicos), como são restaurantes ou hotéis, ou ainda hospitais e diversas IPSS, prevalece outra conceção. Em certos países, uma empresa pública é a que está cotada na Bolsa e a ideia parece certa, pois público quer dizer acessível a todos e, tal como os espetáculos públicos, não tem de ser pertença do Estado. 
Voltemos às escolas, o assunto mais debatido. A Constituição em 1976 postulava (artº 75º nº 1) que: “O Estado criará uma rede de estabelecimentos oficiais de ensino que cubra as necessidades de toda a população.” Sublinhe-se a palavra ‘oficiais’. E (nº 2) “O Estado fiscaliza o ensino particular supletivo do ensino público”. Fixe-se ‘supletivo’. 
Não havia dúvidas. Os estabelecimentos eram oficiais, ou seja do Estado, e o resto era supletivo, destinado a suprir as falhas do sistema das escolas oficiais. Aliás, a expressão corrente era ‘ensino oficial’. Só que, o mesmo artigo, mudou na revisão de 1982 (aquela em que os restos do PREC desaparecem quase todos). Onde estava ‘oficiais’, passa a estar ‘públicos’ e a palavra ‘supletivo’ desaparece, surgindo ainda o ensino cooperativo. Quer isto dizer (socorro-me de dicionários) que a escola passa a ser considerada para o ‘uso de todos’ (qualidade do que é público) e que o ensino privado e cooperativo não é para suprir as falhas da rede oficial. A rede pública de ensino, com programas e metas definidas pelo Governo, pode, assim, ser assegurada por escolas oficiais ou não oficiais. Há, ainda, outra mexida e chega-se à redação atual: “O Estado passa a reconhecer o ensino privado e cooperativo.” 
Os maiores defensores do sistema de escolas oficiais como únicas prestadoras de serviços públicos estão a raciocinar pelos parâmetros de 1976. Não pelos atuais. Quando o Estado dá indemnizações a transportes ou às IPSS, que prestam serviço público, ninguém se opõe. Apenas na escola e na televisão subsiste a ideia de que serviço público é igual a dependência do Estado. 
Esta guerra ultrapassa, de longe, as poucas escolas em causa. Tem sobretudo a ver com a conceção do Estado e daquilo que é público. Ora, o que é público não tem de ser propriedade do Estado. Mais importante do que isso, tem de ser plural e estar ao serviço de todos, de acordo com a lei.

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