Perdas e danos

António Barreto
DN 20160626
Assim, de repente, para assombro de todos, a Grã-Bretanha (ou Reino Unido, ou Inglaterra, logo se verá) entregou a União Europeia à Alemanha e foi-se embora. A Europa ficou mais pobre. Menos livre. Menos diversa. Menos criativa. Mais fraca. Mais indefesa. Menos culta. Mais burocrata. Mais aborrecida. Menos atraente.
Não há quem possa compensar o que desaparece. Ninguém, nenhum país poderá preencher o vazio agora criado. O que a União Europeia perdeu, de facto, não tem substituição. Perdeu uma das nações mais antigas e influentes do mundo e da história. Talvez o povo com o maior apego à liberdade que se possa imaginar. A mais antiga e experiente democracia do mundo. O único país que não conheceu, nos últimos séculos, a ditadura. A mais consolidada tradição de autonomia individual perante o Estado. As Forças Armadas mais bem treinadas, mais organizadas e mais operacionais da Europa. A Polícia mais civilizada do mundo. Uma das mais fortes tradições sindicais. A língua mais falada por nativos e estrangeiros. Algumas das melhores universidades do mundo e as melhores universidades da Europa. Alguns dos melhores museus do mundo. A mais sofisticada cultura literária, musical, artística e científica. A primeira praça financeira da Europa e uma das principais no mundo.
As opiniões são as mais diversas e contraditórias que se pode prever. É natural. Mas a verdade é que estamos a iniciar um caminho (uns dirão que esse começo data de pelo menos dez ou quinze anos, de Maastricht e de Lisboa...) com mais obstáculos desconhecidos, mais riscos e ameaças do que se esperava desde há pelo menos seis décadas. Os alargamentos e o fim do comunismo foram factores de incerteza, mas sempre com esperança. Desta vez, o sabor é o da derrota e o odor é o do perigo iminente. Estão abertas as portas às forças centrífugas e aos separatismos, assim como aos devaneios extremos da direita e da esquerda e ao radicalismo. A mediocridade da maior parte dos dirigentes políticos nacionais e dos grandes burocratas europeus é tal que estão convencidos de que venceram esta batalha. Julgam que tudo vai ser mais fácil e que vamos ficar aliviados com a saída dos incómodos ingleses. A verdade, todavia, é que a União, Bruxelas e as potências europeias que sobram (Alemanha e França, já nem contando a Itália e a Espanha ou a Polónia) acabam de sofrer talvez a sua mais completa derrota. Apesar deste monumental desastre, o pior da União, isto é, do Conselho, da Comissão, do Parlamento, do Eurogrupo e do Banco Central ainda está para vir. As suas reacções, próprias de quem não aprendeu, virão agravar uma situação já de si dramática. As iniciativas da Alemanha e de Bruxelas já revelam uma indisfarçável vontade de represália. Depois da tormenta financeira, das dificuldades do euro e das crises das dívidas soberanas, após os ataques terroristas, ainda em plena crise de imigrantes e refugiados e sob a ameaça do radicalismo de esquerda e direita, a União Europeia entra definitivamente nos cuidados intensivos.
Confesso sentir raiva contra os ingleses que assim optaram por abandonar o barco comum e decidiram amputar a minha Europa e a minha União de tantos bens, de tanta história e de tanta tradição. Mas é uma raiva especial. Matizada pela alegria de saber que se tratou da decisão de um povo livre. Mesmo se errada ou perigosa, a decisão foi livre. Mais uma lição para os portugueses, que deixaram que todas as decisões europeias e constitucionais fossem tomadas sem a sua participação. Mais uma lição para os portugueses, que se limitarão, de futuro, a seguir o cortejo, a desejar que as coisas corram bem. Ou a esperar que não corram mal...

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