Quando as pessoas querem pagar impostos

José Miguel Pinto dos Santos
Observador 23/6/2016

Haverá um nível abaixo do qual as pessoas fugem à evasão fiscal? E quando os governos começarem a ter em conta este limite, e tributam de modo socialmente aceitável, que será dos paraísos fiscais?

Em geral, as pessoas sentem aversão a serem tributadas. É uma antipatia que se assemelha à repugnância que têm pela dor. Fere ser obrigado a pagar parte considerável do rendimento, ganho com tanto esforço, em sede de IRS. Magoa ver o preço de um produto, necessário ou simplesmente desejado, 23% mais caro por causa do IVA. No entanto, será que esta repulsa é instintiva, automática e independente da carga fiscal?
Recentemente passou-se a observar o comportamento bizarro de pessoas começarem a querer pagar impostos onde antes os evitavam. Apesar de todos os esforços das finanças, senão em controlar a vida sexual, pelo menos em fiscalizar a atividade económica, ainda são comuns algumas perversões no comportamento tributário dos cidadãos, geralmente denominadas “fuga ao fisco”. Por exemplo, quando se contratam aulas de piano ou serviços de mudanças, no momento de combinar o preço, ainda se ouve a pergunta: “quer fatura?” Esta questão funciona não só como pedido de informação, mas igualmente como aviso, senão mesmo como convite a um ilícito.
Esta prática também é comum na atividade de reabilitação urbana. Quem faz obras em casa ou no prédio, nunca quer fatura. Este comportamento poder-se-ia considerar compreensível se tivéssemos apenas em conta uma poupança de 23% no preço da obra. No entanto, para poupar os 23%, o proprietário está a prescindir de todas as garantias & proteções que uma fatura lhe proporciona, quanto mais não seja contra defeitos na obra. Ao optar por não querer fatura está implicitamente a considerar que os riscos de ter um problema com um cano ou uma janela ou uma inspeção são suficientemente bem compensados por uma poupança de 23% na empreitada.
Mas o verdadeiramente interessante, do ponto de vista fiscal, começou quando o município de Lisboa lançou o programa RE9. Este conjunto de nove medidas, que não abrange toda a cidade, inclui o incentivo fiscal de as obras de reabilitação serem tributadas à taxa reduzida de IVA, isto é, 6%.
O que aconteceu com a sua implementação? Nas áreas não abrangidas pelo RE9, as pessoas continuam a não querer fatura. Mas naquelas outras, do outro lado da rua, onde o programa está a ser aplicado, toda a gente começou a querer pagar IVA. Porquê? Pode ser que o benefício de uma evasão fiscal de 6% não compense a perda das garantias do empreiteiro mais o risco de ser apanhado numa infração tributária, enquanto uma de 23% compensa. Ou pode ser que a maioria considera que um IVA de 23% é opressivo e injusto, imposto apenas devido a uma despesa pública crónica, diarreica e cancerosa, enquanto acham que 6% é um nível aceitável e comportável para o cidadão. O que levanta a questão: haverá um nível abaixo do qual as pessoas passam a querer fugir à evasão fiscal? E quando os governos começarem a ter em conta este limite, e começarem a tributar de modo mais socialmente aceitável, o que irá acontecer aos paraísos fiscais?
Professor de Finanças, AESE Business School, e André Alvim, Empreendedor

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