O povo é quem mais ordena
Henrique Monteiro
Expresso, 20160625
Algo me diz que tudo o que começa por ser relativamente ordeiro e civilizado na velha Inglaterra se repercute de forma anárquica e por vezes violenta no resto da Europa. Gostava que assim não fosse, desta vez. Mas temo que seja.
Nas urnas, e com uma participação notável, os britânicos disseram estar fartos da União Europeia. Confesso que é preciso paciência para Bruxelas, Berlim e todos os pequenos e grandes desafios que nos colocam. O problema é que não vejo melhor alternativa do que ir tornando as instituições europeias cada vez mais democráticas.
Acontece, porém, que os britânicos preferiram pagar a saída. Já o estão a fazer com o que se passa com a libra e nos mercados financeiros e bolsistas. Mas o que lá se passou com um, ainda assim, civilizado UKIP e um populista, mas moderado Boris Jonhson, anda a ser pedido por Marine Le Pen em França. Quer um ‘Frexit’ (o francês já é quase uma língua morta). E os comunistas portugueses, ouvi eu o deputado europeu João Ferreira na TSF, querem construir outra Europa “nas ruínas desta”. Valha-me Deus! Mais ruínas na Europa, ainda que metafóricas, não precisamos. Mas, além do ‘Frexit’ de Marine e das ruínas de Ferreira, há também italianos, holandeses e dinamarqueses a quererem os seus referendos.
E há de vir o Podemos, logo que passem as eleições espanholas, e mais uns — finlandeses, húngaros, suecos, polacos — haverá de tudo. E se houver referendos, que serão comandados não pela racionalidade crítica mas pela emoção do momento, a Europa esfrangalha-se. Por um motivo simples: ninguém está contente. Ninguém quer isto assim. Ninguém sabe o que quer.
Por isso, a lição de Bruxelas, longe de criar raivinhas e vinganças sobre os britânicos, devia ser a da abertura. A da maior participação democrática dos povos. Eu sei que é difícil, como quase impossível é explicar que todos vivemos agora melhor do que antes de haver UE. E que não temos conflitos, ao contrário do que era uma constante nos tempos anteriores a esta construção. Mas o povo é quem mais ordena! E como sabem quase todos os grandes políticos — como Churchill após ter resistido solitariamente até ter ganho a guerra — poucas entidades há tão ingratas como um eleitorado.
Os tempos serão duros. E a crise aí está para durar.
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