Acham normal não pagar à lavandaria?
Graça Franco
RR online 28 jun, 2016
70% das mulheres considera justa a repartição do trabalho doméstico com os homens. Azar meu que faço parte das 30% que vêem aqui uma enorme injustiça.
As mulheres portuguesas com emprego fora chegam às férias com mais um mês de trabalho realizado do que os respectivos maridos (mais 24 dias 8 horas diárias para ser exactos). Não é novidade, mas convém fazer do “ óbvio” notícia. Só para a tornar tema de conversa de jantar no maior número de casas. Mero “fait divers”? Errado. Aqui radica boa parte da explicação para a baixa fecundidade nacional, como prova um precioso estudo da FFMS sobre a baixa natalidade em Portugal.
O novo inquérito aos “Usos do Tempo de Homens e de Mulheres em Portugal”, realizado pelo Centro de Intervenção Social, permite fazer as contas: no trabalho pago eles gastam em média mais 27 minutos (daí um salário ainda mais alto). Já no trabalho não pago elas dedicam mais uma hora e 12 minutos dedicando um total de 3 horas e 6 minutos às “tarefas domésticas” (cozinha/limpeza/tratamento de roupas e afins) .
Numa semana, a soma das duas parcelas equivale a efectuar uma jornada adicional de mais seis horas e um quarto. Ao fim de um ano isso traduz-se em mais mês e meio de trabalho (ao ritmo de oito horas/dia). Resumindo: as “executivas” portuguesas, 40 anos passados, ainda não gozam da semana-inglesa.
Mesmo que morem perto do trabalho quem quiser folgar os normais dois dias terá de roubar pelo menos um deles ao sono. As que além disso estão sujeitas a perder infindáveis horas nos transportes, não têm alternativa ao velho sistema chinês: nem sono nem folga.
Se considerarmos que cuidar dos filhos não é sempre ou não é só um prazer podemos contar também com mais quase uma hora (52 minutos) gastos com as criancinhas em comidas, banhos, fraldas e diversos do que os dispensados pelos respectivos companheiros. Por ano isso significa 39 jornadas adicionais de “babysitting”.
Perguntarão os homens: mas tratar dos próprios filhos “é trabalho?”. Mesmo que se faça a concessão de achar que não, e eu concedo de bom grado que não seja, vale a pena discutir a repartição das tarefas em matéria de parentalidade . Eles gastam em média duas horas e 14 minutos basicamente a brincar e ajudar nos trabalhos. Elas a dar banhos, confeccionar e dar refeições, etc… Quem não trocará as papas pelas brincadeiras? Já a tortura dos trabalhos é certo que pode continuar com eles.
Olhando este dia a dia, 70% das inquiridas considera justa a repartição. Azar meu que faço parte das 30% que vêem aqui uma enorme injustiça. Não fora lá em casa uma repartição bem mais equitativa e não vejo possível ter tido cinco filhos.
Tudo se faz com gosto? Claro. E nem todas gostariam, ainda mais, de poder descansar um bocadinho? Também.
O estudo da FFMS é claríssimo: nos casais jovens em idade fértil, uma maior repartição de tarefas – ou seja, “pais mais presentes” – mostra-se um dos factores determinantes para que as mulheres encarem a passagem de um para o segundo filho, o suficiente para garantir a renovação geracional. Pelo contrário: pais ausentes impedem que o ideal “dos dois filhos” venha a concretizar-se.
Faz sentido. As mulheres que trabalham fora e sofrem sozinhas a sobrecarga de trabalho resultante da chegada do primeiro filho demoram mais tempo a organizar-se e a dispor-se a receber mais um, mesmo que o desejem.
Tem aliás que a explicação de tanta felicidade possa resultar de um acentuado desvio estatístico: duas horas em média de trabalho a mais com as crianças pode resultar de uma grande diversidade de situações. Basta uma hora a mais para a vizinha de cima e três a mais para a vizinha do lado. Nada para a sortuda que tem um marido que trabalha em casa, adora cozinha e trata das crianças, e quatro horas de lufa-lufa diário para quem teve o azar de casar com o machista preguiçoso.
A discussão do tema aqui na redacção foi sintomática: fazer as refeições próprias e dar banho aos filhos é trabalho? Escandalizaram-se os homens. A cozinheira e a “babysitter” ganham por ler o jornal? Contrapuseram as mulheres. O trabalho em benefício próprio é mero lazer? Ou tudo o que se faz com gozo deixa de ser trabalho? Será que os jornalistas ou jardineiros, médicos ou cozinheiros felizes dispensam as férias? Bela teoria.
Eis o ponto. Paga-se à lavandaria, à “babysitter”, ao operário que limpa os vidros do prédio, à cozinheira, costureira, à porteira que cuida das limpezas, e à empregada doméstica interna se fizer um pouco de tudo isso. As empresas que asseguram as idas e vindas das escolas também se fazem pagar. Razão tinha o saudoso professor Alfredo de Sousa (reconhecendo o valor económico do trabalho doméstico) ao lembrar que “sempre que alguém casa com a governanta se reduz a riqueza nacional na exacta dimensão do respectivo salário”. O mesmo acontece se a relação envolve o jardineiro ou o “personal trainer” .
Vale a pena também aqui seguir o Papa Francisco na sua Exortação sobre a família, cuja leitura dos capítulos 4º e 5º se recomenda vivamente. Aí se diz que a causa dos problemas da família actual não está no facto de as mulheres trabalharem “fora” de casa nem podem resolver-se voltando às formulas passadas . A solução passa por maior partilha de tarefas entre pais e filhos e entre marido e mulher, bem como numa legislação laboral que permita maior conciliação e maior tempo de lazer.
O inquérito revelado na segunda-feira mostra, por exemplo, que embora mais de metade dos inquiridos considere relativamente “fácil” conseguir no emprego uma ou duas horas para imprevistos domésticos esta percentagem é muito menor entre trabalhadoras em idade fértil.
Além disso um terço dos trabalhadores revela que várias vezes por mês é chamado a reduzir o tempo de lazer para atender as solicitações da empresa onde trabalha. E entre as mulheres mais de dois terços reconhece que quando deixa o emprego sente demasiado cansada para atender à vida de família ou simplesmente usufruir da própria vida pessoal. Dá que pensar.
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