O fim da austeridade: das 35 horas à administração da CGD

André Azevedo Alves
Observador 11/6/2016

A encenação do fim da austeridade a que estamos a assistir pode até ser eficaz para satisfazer clientelas políticas mas vai sair muito cara ao país.
A “geringonça” prometeu. A “geringonça” cumpre. O fim da austeridade está mesmo a concretizar-se, ainda que só para alguns e durante algum tempo. Dois casos em análise: as 35 horas semanais de trabalho para funcionários públicos e a nova administração – com mais administradores e remunerações mais elevadas – da Caixa Geral de Depósitos. Nenhuma das duas medidas faz sentido no contexto de um país que continua numa grave situação económica e financeira, mas ambas fazem todo o sentido à luz dos objectivos políticos de curto prazo da “geringonça”.
O regresso ao passado com as 35 horas para o funcionalismo público marca a reversão de um processo de convergência com o sector privado que tinha começado a ser seguido, ainda que de forma incompleta, na sequência da bancarrota e subsequente pedido de resgate externo de 2011. A violação do princípio da igualdade parece flagrante ainda que, à luz do enquadramento constitucional vigente em Portugal, isso pouco ou nada permita prever no que diz respeito a eventuais declarações de inconstitucionalidade.
Já no que diz respeito aos impactos orçamentais, a previsão é bem mais fácil de fazer: a aplicação das 35 horas aos funcionários públicos implicará obviamente um aumento da despesa do Estado (desde logo, ainda que não só, no pagamento de mais horas extraordinárias), eventualmente conjugado com uma degradação de alguns serviços. Só assim não seria se a generalidade dos serviços afectados não produzisse absolutamente nada nas cinco horas em causa.
Mário Centeno, honra lhe seja feita, reconheceu isso mesmo quando argumentou recentemente fora do país que os custos da aplicação do horário das 35 horas aos funcionários públicos exigirão poupanças noutros sectores. Infelizmente, como em outras ocasiões similares, ficaram por explicitar onde e de que forma serão obtidas as referidas “poupanças” compensatórias de mais uma medida que implica um óbvio aumento da despesa.
A austeridade parece ter chegado ao fim também para a CGD. Por ser um banco detido pelo Estado e pela sua dimensão, a CGD é percepcionada por muitos depositantes como a instituição de menor risco no sistema bancário nacional. Considerando a economia política do sistema bancário, é uma percepção razoável mas deve ser considerada em conjunto com uma outra: pela sua dimensão e por ser um banco detido pelo Estado, a CGD é também o banco de maior risco para o sistema financeiro nacional, para o Orçamento de Estado e, em última instância, para a frágil economia portuguesa.
A penosa sucessão de injecções de capital na Caixa por parte do Estado ao longo dos anos aí está para o comprovar, assim como as imparidades que andam de braço dado com a politização da gestão bancária. Neste contexto, é particularmente lamentável o recente anúncio governamental de que a administração da CGD terá mais elementos e da eliminação dos respectivos tectos salariais.
Além de acabar com a austeridade (para alguns), a “geringonça” está a operar verdadeiros milagres políticos junto da extrema-esquerda portuguesa: assim, face ao anunciado para a CGD, o Bloco de Esquerda limita-se a “estranhar” o aumento salarial dos gestores e, não obstante o pré-anúncio de mais um substancial aumento de capital por parte do Estado, PCP e BE já se declararam liminarmente contra qualquer comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa.
O que importa no entanto sublinhar é algo que vai muito além das gritantes incoerências dos partidos que apoiam o actual Governo: a encenação do fim da austeridade a que estamos a assistir pode até ser eficaz para satisfazer clientelas políticas mas, por via das reversões sem critério e medidas sem sustentabilidade que acarreta, vai sair muito cara ao país.

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