Depois do Brexit evitar o Exit

José Luís Ramos Pinheiro
RR online24 jun, 2016

Sabendo que a História está cheia de acontecimentos impensáveis, a negociação de saída dos britânicos, complexa e dura para ambos os lados, funcionará como um teste decisivo à qualidade das lideranças europeias e à maturidade dos valores europeus.
Os conflitos políticos e económicos no continente europeu foram demasiadas vezes acompanhados de uma expressão militar, isto é, de guerra. Foi assim em muitos séculos. E foi assim, por duas vezes, no século XX - a desestabilização europeia provocou as duas primeiras guerras mundiais.
Projectado por grandes personalidades de diferentes países, o sonho europeu no pós-guerra foi um grito a favor da paz e do desenvolvimento dos povos europeus, duramente fustigados no século XX por destruições em larga escala.
Pilar essencial na derrota do nazismo, a Grã-Bretanha nem sempre esteve na linha da frente da construção do projecto europeu, tendo apenas aderido à comunidade económica europeia, em 1972.
Mas com todas as suas particularidades, o Reino Unido – agora profundamente desunido como se vê pelos resultados do referendo - tem sido e continuará a ser um país essencial ao equilíbrio do continente europeu. Fora ou dentro da União, em tempo de guerra ou nos períodos de paz, os britânicos têm na Europa uma vocação e um papel insubstituíveis.
Mas após o indesejável Brexit espreitam dois fundamentalismos: o federalista (agora, sem os ingleses, acelerar a fundo nas políticas que incomodavam Londres) e o populista (cavalgar a onda referendária, como já pedem os partidos da extrema-direita e os chamados eurocépticos).
Na situação actual, mais federalismo significaria (ainda) mais populismo. De resto, depois de todos os efeitos negativos do Brexit, o pior que nos poderia acontecer seria a tentação generalizada do exit, protagonizada pela extrema-direita europeia e pelos partidos eurocépticos, uns e outros especializados em capitalizar a frustração, como forma de chegar ao poder.
As respostas populistas e isolacionistas (fechar fronteiras e recuar em toda a linha na integração europeia) até podem ganhar votos numa primeira fase, mas não deixarão de gerar uma acrescida frustração, por não serem aptas a resolver um único problema de que os cidadãos europeus se queixam, designadamente no plano económico e social.
Do lado da União haverá quem pretenda que a factura de saída dos ingleses, sendo suficientemente pesada, funcione como vacina dissuasora de novas tentativas de abandono. Mas procurar uma saída humilhante dos britânicos também não dará grande saúde à estabilidade europeia.
Entre a decisão britânica e a pulsão populista, os líderes europeus sabem que uma desagregação abrupta da União Europeia teria consequências impensáveis. Até hoje tem-se minimizado um tal cenário, considerado altamente improvável; e assim é. Mas no final do século XX, e com todas as diferenças que existem, já assistimos ao também improvável desabamento fulminante da União Soviética e dos regimes satélite do leste europeu.
Sabendo que a História está cheia de acontecimentos impensáveis, a negociação de saída dos britânicos, complexa e dura para ambos os lados, funcionará como um teste decisivo à qualidade das lideranças europeias e à maturidade dos valores europeus.

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