Pescada a meias

Público 2012-01-04 Miguel Esteves Cardoso

A pescada é a mesma. Metade dela é cozida com todos, a outra é cortada em postas finas para fritar. É esse o nosso almoço, uma feliz intransigência matrimonial: o contrário do que se passa entre a Coreia do Norte e a do Sul. Um não come peixe e o outro não come carne. Ambos comem peixe. O mesmo peixe: uma única pescada. Aqui é que é mutuamente consentida e regozijada uma divergência fundamental. A Maria João come a cabeça cozida. Eu como o rabo frito. À noite ambos comemos uma salada do que restou da pescada. O coração é o mesmo: bróculos, tomate, feijão frade, com o mesmo tempero de azeite e vinagre. A diferença é que a salada dela é feita com a pescada cozida e a minha com a pescada frita.

Sim, são saladas diferentes. Suficientemente diferentes. Ninguém é obrigado a comer o que o outro come. Mas também são parecidas. Suficientemente parecidas.

É este um segredo de um bom casamento. Tem sorte o casal em que um prefere as pernas do frango e o outro o peito. Mas não tem tanta sorte o casal em que ambos gostam mais das pernas. Ao princípio, dão muitos saltos e gritam que são iguaizinhos mas não tarda perceberem que as igualdades não só aborrecem como enfurecem, levando a tédios e guerras e, fatalmente, ao tédio das guerras que é a morte do casal.

O mesmo acontece com os feitios opostos. Atraem-se e fazem faísca porque não são capazes de estar juntos. O corte de energia ainda chega mais depressa.

Melhor é a pescada pescada a meias.

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