Brincadeiras "culturais"
Público 2012-01-21 Vasco Pulido Valente
Mesmo quando a democracia acabou por prevalecer, em Lisboa (e um pouco no Porto) esta doença continuou durante anos. A "cultura" queria dinheiro em nome do seu próprio e discutível valor. E o Estado com uma certa relutância lá abriu a bolsa, embora com parcimónia, para calar a gritaria e também, é bom dizer, para fins de propaganda e prestígio. Aparece então, importada de França, a ideia mais do que peregrina da "indústria cultural", com a tropa fandanga que trabalhava ou se propunha trabalhar nela. A etiqueta cobria tudo e não deixava nada de fora. Infelizmente a realidade não acompanhou a excitação da ínfima e vaguíssima minoria que, para nosso mal, tomava isto a sério. Com o tempo a "cultura" começou a ser esquecida, do património ao cinema (com uma ou outra excepção), e caiu numa obscuridade merecida.
O pior é que entretanto a ilusão se estendeu à província. As câmaras arranjaram "vereadores culturais", com funções para lá da compreensão humana. Promoveram encontros, conferências, colóquios, simpósios, festivais. Convenceram o Estado a comprar os cineteatros de 1905 ou 1940, que se iam desfazendo serenamente em ruínas, para uma "produção nacional" imaginária ou pobre. E, se por acaso, não havia um cineteatro à mão, construíram de raiz, e por milhões de euros, centros culturais, centros multiusos, centros de arte, centros de música ou o que lhes passou pela realíssima cabeça. Hoje, esses melancólicos resultados da megalomania e do alfabetismo, com custos de manutenção a pagar, sem um vintém e sem futuro, começam a fechar. A crise veio de muitos milhares de histórias assim.
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