Capitalismo em crise
Público 2012-01-16 João Carlos Espada
O mais poderoso instrumento económico para melhorar o nível de vida do maior número de pessoas é o mercadoLogo no primeiro dia, Lawrence Summers, de Harvard, começava por observar que, "há cinco anos, seria inimaginável que o FT encomendasse uma série de artigos sobre este tema." Isto é um reflexo, prosseguiu, da amargura da opinião pública e dos maus resultados de grande parte do mundo industrial.
No entanto, Summers vai argumentar que os principais problemas das sociedades ocidentais se situam nas áreas onde a economia de mercado funciona menos - como os serviços de saúde, a educação, a segurança social e a despesa dos governos.
Este ponto é reiterado por Samuel Brittan, num artigo de sexta-feira intitulado "o mercado ainda não tem reais rivais". O seu principal argumento é que o mercado promove a liberdade pessoal e política, gerando simultaneamente mais bem-estar através da pressão para a baixa dos custos produzida pela concorrência.
Um argumento semelhante foi apresentado por John Kay, na quarta-feira. Argumentou que o termo "capitalismo" é em rigor desadequado, na medida em que deixa entender que se trata de um sistema fundado na posse de capital. Mas a disseminação do capital através das sociedades por acções há muito destronou a posse de capital como factor crucial do sucesso ou do controlo. Numa economia de mercado, o que conta realmente é a capacidade de fornecer bens ou serviços de melhor qualidade a preços mais baixos. Ou, como disse Samuel Brittan, a capacidade de oferecer bens ou serviços que possam ser preferidos livremente pelos consumidores.
Para conseguir esta preferência dos consumidores, recordou Kay, o que é decisivo não é a posse de capital, mas a organização da empresa, a sua reputação junto de fornecedores e consumidores, a sua capacidade de inovação. E aquilo que diferencia as empresas que possuem estas qualidades daquelas que não as possuem é a escolha livre dos consumidores em regime de concorrência - não são "agências de acreditação" do Estado, nem nomeações ministeriais, nem decisões políticas de qualquer outro tipo.
Este é também basicamente o raciocínio subjacente ao artigo de Gideon Rachman, na terça-feira, "porque me estou a sentir estranhamente austríaco". Trata-se de uma referência à chamada "escola (económica) austríaca", de von Mises e Hayek, que advoga concorrência e disciplina orçamental dos governos.
Em suma, todos estes articulistas reconhecem que o mais poderoso instrumento económico para melhorar o nível de vida do maior número de pessoas é o mercado. Isso é conseguido, como há muito fora observado por Adam Smith e reiterado por Schumpeter, pela "mão invisível" da concorrência, isto é, da liberdade de escolha dos consumidores. É esta que obriga os fornecedores de bens e serviços a tornarem-se verdadeiros "servidores públicos", ou, se quisermos, "capitalistas ao serviço do público": eles simplesmente têm de produzir melhor e mais barato para conseguirem vender.
Onde esta concorrência não existe - como na educação, na saúde e na segurança social - os chamados serviços públicos (em rigor, apenas serviços estatais) tornam-se verdadeiros sorvedouros de dinheiro dos contribuintes. Poderiam, com propriedade, ser chamados "capitalistas à custa do público". Os custos sobem porque esses serviços são coercivamente subsidiados pelo Estado, não dependendo da disciplina imposta pela escolha livre dos consumidores.
É isto que basicamente gera a situação insustentável das dívidas públicas dos estados ocidentais. Ou, para citar de novo Lawrence Summers, a origem dos nossos problemas não está na economia de mercado, mas nos sectores onde ela não é aplicada - como a educação, a saúde, a segurança social e, em geral, a despesa do Estado.
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa; titular da cátedra European Parliament/Bronislaw Geremek in European Civilization no Colégio da Europa, Campus de Natolin, Varsóvia
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