Dentro ou fora do útero um bebé não se dá, aluga ou vende

Entrevista a Eduardo Sá
DESTAK | 19 | 01 | 2012 17.22H

Eduardo Sá - Investiga a gravidez e o feto, e garante que não é indiferente o útero em que se cresce. Nem para a mãe ter um filho dentro de si.Em entrevista ao Destak, explica porque é contra “barrigas de aluguer”.
Isabel Stilwell | editorial@destak.pt
O feto tem uma vida emocional e mental?
O feto tem uma vida emocional desde muito cedo e, em consequência disso, tem uma vida mental. Não podemos dizer que o nascimento psíquico de um bebé se dê ao fim dos nove meses de uma gestação. Ele é, substancialmente, mais precoce. Tem uma individualidade e uma identidade próprias, a que não é estranha a relação privilegiada com a mãe. Para o feto não há como não distinguir um útero da mulher com quem comunica 24 horas por dia.
O mesmo embrião será um bebé diferente conforme o útero em que cresceu?
Os inúmeros estímulos que chegam ao bebé de forma bioquímica e sensorial ajudam a formatar um embrião de forma singular, dependendo da pessoa com quem se relaciona durante nove meses. A relação com a mãe arquitecta as competências sensoriais, emocionais e mentais de um feto. Por mais que as suas competências genéticas sejam iniludíveis, é a relação com a mãe que as formata e as torna expressivas.
Faz sentido a ideia de um útero como se fosse um cacifo?
Não, não faz de todo. Primeiro, porque uma barriga não é uma realidade estranha ao corpo e ao psiquismo de que faz parte. Depois, porque se corre o risco de legalizar a exploração de pessoas que alugam a terceiros uma parte do corpo a troco de dinheiro. Desconsiderando os direitos de um feto que, quer se queira quer não, já é um bebé.
As novas propostas de lei prevêem essa possibilidade através daquilo a que chamam um negócio jurídico gratuito. O facto de ser gratuito justifica-o?
Não, não justifica. Porque, como todos sabemos, esse é um argumento que sossega a consciência de quem legisla quando, na verdade, a questão fundamental é outra: será legítimo que uma pessoa crie um bebé, dentro de si, que aprofunde laços e vínculos e que, depois, os fracture, sem se estimarem os custos incalculáveis que isso tem para uma mulher que aluga o seu útero e para um filho que resulta dessa transacção? Como se pode sentir uma criança quando concluiu, anos mais tarde, que resultou de um negócio jurídico gratuito em vez de ser a consequência de uma relação vinculativa? E, supondo que a mulher que condescende com esse negócio fractura toda a realidade de uma gravidez (consultas de obstetrícia, movimentos fetais, sintonia mãe/feto, etc.), do útero onde, supostamente, de forma hermética, está um bebé, será que o legislador tem noção que estará a acarinhar danos emocionais com custos exorbitantes no pós-parto?
Quando os políticos falam do Superior Interesse da Criança fazem sentido estas propostas?
Se a noção de Estado se funda numa ideia de Direito não se compreende que promova maus-tratos em nome da Justiça! Nem que aja de maneira diferente, consoante legisle sobre crianças fora e dentro do corpo da mãe.
Ninguém é insensível ao sofrimento de quem não pode ter filhos, mas há limites para aquilo que se pode dar, ou pedir?
Os limites nos nossos actos são aquilo que, depois de compreendido com sabedoria, nos torna mais e melhores pessoas. Não compreendo que um Estado não entenda que, embora uma criança exista dentro do corpo da mãe, ela não é um património que se alugue, se doa ou se venda. O Direito da Criança hoje, supunha eu, não se assemelha ao Direito Romano e que tudo isso era permitido. Mas não percebo onde estão todos aqueles que tinham o dever moral de se insurgirem contra uma realidade como esta! Não compreendo porque é que as mesmas pessoas que falam de crise de valores sejam aquelas que aprovem que uma criança seja objecto num negócio... jurídico ou do aluguer de uma parte do corpo por outra.
O que leva uma mulher a sujeitar-se a tudo isto. Generosidade, narcisismo, ingenuidade?
Não, não é generosidade. É negócio. Salvo em circunstâncias excepcionais em que uma familiar, por exemplo, viabiliza uma gravidez de alguém que, por qualquer motivo, não pode ter filhos. No entanto, as confusões relacionais que daí derivam podem ser tão graves que os custos emocionais não compensam os ganhos que se espera obter.
Em que difere da mulher que dá um filho para adoptar?
Na adopção, uma mulher é surpreendida pela gravidez e, quer por choque quer por pânico, hesita a ponto de não ter como deixar de ter um bebé e, ao mesmo tempo, não ter como o conseguir para si. Numa barriga de aluguer, uma mulher, de forma calculada, decide ter um filho quando jamais o quis para si.
Quatro Propostas de Lei
A maternidade de substituição (barrigas de aluguer), vai estar em discussão na Assembleia da República, na quinta-feira. Em debate estão as propostas do PSD, PS, JS e BE. Todas pretendem ver legal a possibilidade de uma mulher celebrar “negócios jurídicos gratuitos de maternidade de substituição” no caso de se comprovar a impossibilidade de engravidar (por falta, ou doença grave do útero), mas os dois primeiros só permitem o acesso a casais heterossexuais e os dois últimos alargam-nos a mulheres solteiras e a casais homossexuais. Prevêem uma compensação, mas não um pagamento.

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