Zanga de Natal
Pe. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA 18.12.16 VOZ DA VERDADE
Neste Natal, vou-me zangar com o Menino Jesus! Sim, é verdade, estou farto de O aguardar cheio de esperança, para depois O ver desaparecer, nos princípios do Ano Novo, deixando tudo igual…
Há dois mil e dezasseis anos que nós, os cristãos, preparamos, durante as quatro semanas do Advento, a sua chegada e, depois festejamos, com profusão de hossanas e cânticos de júbilo, o seu nascimento em Belém. Montamos os presépios, com figurinhas religiosamente guardadas durante todo o ano, para que essa piedosa representação nos transporte ao presépio em que Jesus nasceu, há vinte séculos. Damo-nos presentes uns aos outros, pela alegria da vinda do tão esperado e prometido Messias! Reunimo-nos festivamente, em família, à volta da mesa das farturas e das filhoses, dos bolos-rei, do bacalhau da consoada e do peru do dia de Natal. Fazemos brindes de alegria e de esperança, votos até de melhoria, de mais paz e harmonia, de mais amor a Deus e caridade com o próximo…
E depois?! Depois, é sempre a mesma desilusão: sonhos que se desfazem como quem desfaz o presépio! Votos que desmoronam como uma árvore de Natal que, passada a quadra festiva, é abatida e convertida em lenha para a lareira! Presentes inúteis que são postos de lado, como os papéis de embrulho que, amarrotados, são atirados para o lixo ou guardados num qualquer gavetão. Serpentinas luminosas que se apagam e voltam à sua habitual escuridão. Bolas coloridas, brilhantes e espelhadas, mas depois fechadas nas caixas onde ficarão, em prolongada hibernação, até ao próximo Natal. Toalhas de linho guardadas para melhor ocasião. Até o ar de festa, passada a quadra, desaparece, para dar lugar à rotina dos dias cinzentos.
Afinal, Menino Jesus, para que vens todos os anos ao mundo, se o mundo continua sempre igual?! Para quê esta farsa natalícia, se é um parêntese que logo se fecha, sem deixar rasto nem continuação?! Porquê esta anual alienação, que nos distrai e inebria, mas não evita o inevitável pesadelo dos nossos lutos e dores, das nossas angústias e cansaços, das nossas tristezas e desilusões? Não seria mais sensato recusar esta fugaz bebedeira de uma tão fugaz euforia, evitando-se assim a dolorosa ressaca em que inexoravelmente, todos os anos, termina?!
Como podem os cristãos montar o presépio, se tantas pessoas há que nem um tecto têm para se abrigar?! Como se podem sentar a uma mesa cheia de apetitosos petiscos, se muitos há, também a seu lado, que nem sequer têm uma sopa e um naco de pão para servir aos filhos, na noite de consoada?! Como se atrevem a dar e receber presentes, mais ou menos fúteis, quando não poucos, até do que é imprescindível, carecem?!
O Natal não será, afinal, uma colectiva e beata hipocrisia?! Não dá razão aos que acusam a religião de ser uma néscia alienação?! Não seria muito melhor converter todas as despesas de tão inúteis comemorações em benefícios sociais para os que mais precisam?
A queixa tem razão, tem mesmo toda a razão, mas a mesma razão de Judas Iscariotes, que era ladrão…
É preciso que haja Natal, todos os anos, em todas as famílias e em todos os corações! Receber Jesus é receber também esses milhões de outros meninos que nunca chegaram a nascer. Aceitar Deus feito homem é acolher, no coração, todos e cada um dos seres humanos, imagem e semelhança do Criador. Festejar o nascimento do Messias é acender uma luz de esperança para toda a humanidade, na graça do arrependimento e do perdão! Recordar a Sagrada Família, na sua fuga para o exílio, é um gesto de solidariedade para com todas as famílias refugiadas, e para todas as vítimas inocentes da guerra! Abraçar o Menino, nas palhinhas deitado, é um acto de carinho para com todos os que são, também agora, perseguidos por causa da sua fé!
Sim, venha o Natal! Não me vou zangar então com o Menino Jesus mas, desta vez, vou acender uma estrela de esperança na minha alma e não numa qualquer árvore; vou-me dar aos outros como presente, em vez de dar presentes de usar e deitar fora; vou enriquecer a minha mesa com os que não têm pão, em vez das iguarias de ocasião; vou ser família dos que estão sós; e, sobretudo, vou montar um presépio permanente no meu coração, para aí hospedar para sempre Jesus, Maria e José!
Santo Natal!
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