Os Pobres de Estimação

VASCO MINA   WWW.CORTA-FITAS.BLOGS.SAPO.PT  11.12.16


Li, há muitos anos, o Livro “Peregrinação Interior” de António Alçada Baptista. Nesta obra, autobiográfica, o autor descreve, ente vários outros temas, a sua relação com a Fé e como esta caminhou ao longo da sua vida; o testemunho partilhado no livro marcou-me muito na altura e várias foram as reflexões que ainda permanecem na minha memória; uma destas refere-se à forma como a sociedade (no caso, as senhoras de famílias abastadas da Covilhã) tratava a pobreza e em concreto aqueles viviam nesta realidade e, neste contexto, encontrei a expressão “pobres de estimação”; o autor destacava, com muita ironia, a “defesa” que cada senhora fazia dos pobres que cuidava e depois discorria uma reflexão sociológica que vale a pena ler e por isso sugiro a leitura do livro. Tudo isto a propósito de uma entrevista de Maria Filomena Mónica (MFM) ao Público em que fala quer do livro “Os Pobres”, que recentemente publicou, quer sobre a sua relação com os pobres. É interessante ler (Maria Filomena Mónica é uma brilhante investigadora) a perspetiva das elites da esquerda sobre a pobreza e, sobretudo, sobre a forma de lutar contra esta situação em que muitos se encontram. Não li ainda o livro e por isso escrevo a partir da leitura da entrevista. Nesta, a autora refere que “em Agosto de 2014, pela primeira vez desde há muitos anos, dei uma esmola (um euro) a um pobre” e acrescenta que “provavelmente, o que me fez abrir a carteira foi ter chegado à conclusão de que, após um interlúdio a seguir à revolução, tínhamos voltado ao cenário atroz da miséria”. Ou seja e para a esquerda (sim, Maria Filomena Mónica sempre se assumiu de esquerda), a miséria terminou com a Revolução e reapareceu nos anos da recente crise e em resultado das medidas da troika. Por outras palavras, a pobreza (para a esquerda) é resultado das políticas quer do Estado Novo quer dos governos que se sujeitam às imposições do FMI. Não por acaso a pobreza em Cuba é explicada, pelos movimentos de esquerda, como sendo resultado do embargo económico americano e não pela política revolucionária de Fidel. Para todas estas abordagens, a leitura histórica parte de teses (tal como acontecera com os Românticos) e depois procuram-se factos que as suportem. E a tese é a de que as políticas de esquerda eliminam a pobreza e a as políticas de direita (a que agora apelidam de neoliberais) conduzem as populações à miséria. Mas regressemos à entrevista e para Maria Filomena Mónica “o que falha em Portugal não é apenas o Estado, mas a Igreja, as classes altas e até os pobres”. As elites de esquerda consideram sempre (está na essência do seu posicionamento ideológico) a Igreja como uma das principais responsáveis da miséria das populações e por isso (seja a propósito ou despropósito) malham em grande nos católicos; curiosamente, no mesmo artigo do Público, é relatado um caso (acompanhado por MFM) em que um jovem desprotegido consegue apenas apoio numa instituição católica (a Casa do Gaiato) mas desde logo apelidada pela jornalista (suspeito que também de esquerda) de vetusta; antiquada ou não, a verdade é que foi numa instituição da Igreja que o tal rapaz teve apoio; não se percebe qual o apoio dado em concreto pela Investigadora mas apenas que recebe cartas do rapaz nas quais informa que está a tirar um curso de fisioterapia. As elites de esquerda nunca assumem qualquer responsabilidade nos males do Mundo pois, para elas, as responsabilidades são sempre dos outros. Também a responsabilidade de contribuir para a solução dos problemas compete, em exclusivo, aos Estados. Não por acaso a participação de cada um (seja a nível individual seja a nível coletivo) nunca é defendida (e muito menos aplaudida) pois é sempre vista como uma presença ou da Igreja ou de qualquer outra atitude burguesa com aspeto social. Um exemplo do que escrevo é o Banco Alimentar que é sempre, mas sempre, criticado pela esquerda. Outro exemplo disto é também contado aqui por MFM no seguinte episódio: “tendo notado que em minha casa existia um armário com objetos a que as minhas netas já não ligavam, decidi oferecer o espólio ao infantário local. Num gesto altruísta, fui até à junta. Por detrás do balcão, duas meninas olhavam as moscas voando sobre as suas cabeças. Expliquei-lhes ao que ia. Que não, a junta não recebia brinquedos para os meninos pobres. Se o desejava fazer, que fosse ao infantário, algures no bairro. Respondi-lhes que ou elas aceitavam os brinquedos ou os deitaria no primeiro caixote do lixo. A ameaça deixou-as indiferentes, pelo que os objectos acabaram num contentor.” Ou seja, ou o Estado intervém ou de nada adianta a ajuda!
Regressando à expressão “pobres de estimação”, temos que a mesma se aplica também para a nossa elite de esquerda. Apenas com uma ligeira diferença: nos tempos das elites do Estado Novo, os pobres não eram objeto de estudo académico e apenas recebiam uma míseras esmolas (mas lá iam recebendo qualquer coisa). Nos tempos das elites de esquerda ou Estado protege ou então nada para os pobres.
Vou ler o livro pois, academicamente (não confundo posicionamento ideológico com trabalho sério de investigação), será uma obra imprescindível para todos aqueles que prestam atenção aos problemas da pobreza.

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