O oxímoro
JOSÉ MARIA C.S. ANDRÉ 18.12.16 Correio dos Açores,
Verdadeiro Olhar, ABC Portuguese
Canadian Newspaper, Spe Deus, Clarim
Qual a palavra, qual é ela,
tão estranha, que não pertence à sua própria língua (já nasceu estrangeira) e
não significa o que diz, nem o seu contrário?
Os gregos tinham a palavra
«oxi», para significar agudo, vivo, atiçado («oxi» subsiste nas línguas
modernas na raiz da palavra oxigénio) e tinham também a palavra «moros» como
sinónimo de tonto. A inventiva que lhes faltou para juntar «oxi-moros»
tiveram-na os latinos medievais, que cunharam o conceito de «vivaço tonto». A língua
inglesa inspirou-se nesta conjunção impossível, popularizou-a e utilizou-a para
designar as figuras de retórica baseadas na contradição. São oximoros as
expressões «silêncio ensurdecedor» (em inglês, «thunderous silence» ou «deafening
silence»), «mortos-vivos» (em inglês «living death» ou «walking dead») e várias
das expressões bem-humoradas da tecnologia moderna, como «luz escura» («dark
light») e «realidade virtual» («virtual reality»).
O Natal é a festa de combinações
que ultrapassam a lógica humana e, por isso, perdemos-lhe o sabor quando o
reduzimos a comércio, ou a ficção, ou promessa de êxito. O Natal é mais
fascinante que o oximoro mais estranho, porque foi pensado pela mente de Deus e
se tornou realidade graças ao seu poder.
Um colega da universidade estreou-se
na carreira de investigação, ainda muito criança, com um estudo sobre a logística
do Pai Natal. Partiu da suspeita de que era impossível um Pai Natal entregar
presentes em todas as chaminés do mundo à meia-noite do mesmo dia e, com esse
argumento, avançou para a desconfiança de que o Pai Natal não existia. Pegou
num mapa, para confirmar a premissa, mas reparou: os fusos horários! Por causa
dos fusos horários, o Pai Natal não teria de colocar os presentes simultaneamente
em todas as chaminés, porque, ao longo de 24 horas, ia sendo meia-noite,
gradualmente, na superfície do Planeta. Que felicidade, para uma criança, compreender
o segredo da logística natalícia! Entretanto, a tal criancinha cresceu, a sua
carreira científica evoluiu para outras áreas, mas não precisou de um
doutoramento para descobrir que o Pai Natal, de facto, não existe. Não por uma questão
técnica. Simplesmente, não existe. O Pai Natal não é uma contradição, é uma
banalidade.
O Natal é diferente. Fala-nos
do impossível aos homens, da vitória daquilo a que o Papa chamou a «debilidade
omnipotente». Só Deus reconcilia extremos tão opostos e lhes dá sentido real.
Disse o Papa Francisco: «a
única força capaz de conquistar o coração dos homens é a ternura de Deus.
Aquilo que encanta e atrai, aquilo que dobra e vence, aquilo que abre e liberta
das cadeias não é a força dos instrumentos ou a dureza da lei, mas a debilidade
omnipotente do amor divino, que é a força irresistível da sua doçura e a
promessa irreversível da sua misericórdia» (Fevereiro de 2016).
Se não fosse tão infinito,
Deus não seria tão irresistível e tão amável. Por isso, no Natal, no contraste
mais extremado, refulge tão profundamente a grandeza de Deus.
No longínquo 1937, em que o
comunismo continuava aliado a Hitler (até Junho de 1941) e as forças russas,
protegidas por este aliado aparentemente invencível, avançavam de vitória em
vitória, Paul Vaillant-Couturier dava rédea solta à sua veia poética: «Somos a
juventude ardente // que vem escalar o céu // num cortejo fraterno // unamos as
mãos palpitantes // saibamos proteger o nosso pão // construiremos um amanhã
que cante» («Nous sommes la jeunesse ardente // Qui vient escalader le ciel // Dans
un cortège fraternel // Unissons nos mains frémissantes // Sachons protéger
notre pain // Nous bâtirons un lendemain qui chante.» – Paul
Vaillant-Couturier, Jeunesse, 1937).
Esta poesia foi citada por tantos autores marxistas que a expressão «amanhãs
que cantam» se tornou um lugar-comum.
A questão é saber quais são
os amanhãs que cantam. Em 1937, Vaillant-Couturier estava eufórico com a
anexação da Finlândia, a que se seguiria a dos países Bálticos e todos os
outros avanços imparáveis do comunismo no Leste europeu. Passados somente 5
anos, um outro marxista, Gabriel Péri, morria às mãos dos nazis prometendo uma nova
versão de amanhãs que cantam. E, depois dele, uma catadupa de amanhãs cantantes
sucedeu-se na literatura e na política.
Um futuro melodioso não é
um oximoro e qualquer DJ promete música. O Natal é mais radical que os DJs,
marxistas ou burgueses. É uma mensagem tão acima de todo o cálculo humano que
inverte os critérios do poder e da glória, e empalidece o brilho das armas. O
coração humano fica desarmado perante a «debilidade omnipotente».
Aquele bebé nos braços da mãe
convoca a humanidade a uma verdadeira revolução. Um Natal sem Jesus ao colo é
só um Pai Natal burguês ou um DJ a prometer um amanhã marxista. A velha
profecia de Isaías vaticinava esta revolução impossível aos homens: «O povo que
andava nas trevas viu uma grande luz... porque um Menino nasceu para nós, um
filho nos foi dado: (...) Deus forte, Príncipe da Paz». Um bebé que dorme nos
braços da sua mãe é o Deus forte, o Príncipe da Paz: «O seu poder será
engrandecido numa paz sem fim», dizia Isaías.
O oximoro por excelência
torna-se realidade. «Porque nada é impossível a Deus», explicou o Anjo a Nossa
Senhora. É quase simples. – Deus fez-Se carne e habitou entre nós.
José Maria C.S. André
Correio dos Açores,
Verdadeiro Olhar, ABC Portuguese
Canadian Newspaper, Spe Deus, Clarim 18-XI-2016
Comentários