Os europeus não estão loucos

RAUL DE ALMEIDA   6.12.16   JORNAL ECONÓMICO


Sentindo-se perdidos num limbo, os europeus tentam agarrar desesperadamente uma ideia de soberania, de regra, de ideia de um corpo moral e ético coletivo. Tudo o que a Europa hoje em dia lhes nega.

Há dois dias atrás, a Europa entrou em mais uma difícil encruzilhada. Na Áustria, apesar dos suspiros de alívio, o FPO teve 46% dos votos, mostrando essencialmente as fortíssimas reservas de metade dos austríacos ao caminho que a Europa segue. Em Itália, Renzi bate com a porta depois da derrota num referendo que nos poderá sair mais caro que o Brexit. Entretanto, a Sra. Le Pen segue confiante na maioria das sondagens.
Estarão os europeus todos loucos? Não me parece. Não estão loucos. Sentindo-se perdidos num limbo, a meio caminho entre o sonho desfeito da Europa prometida e o desaparecimento das nações de onde partiram, tentam agarrar desesperadamente uma ideia de soberania, de regra, de ideia de um corpo moral e ético colectivo. Tudo o que a Europa hoje em dia lhes nega.
O pensamento jacobino que subjaz a muito do ordenamento que a esquerda francesa vai impondo na Europa – ao qual as diferentes esquerdas europeias vão desde sempre beber em deslumbre – vem desde 1789 a perseverar na destruição do modelo cristão que enformou a sociedade europeia. A força das nações de per se, as guerras que as dividiram, as convulsões sociais que viveram atrasaram este plano transnacional de desconstrução do modelo ético e moral vigente. Foi preciso esperar pela paz de 1945 para, à boleia da ideia da união pacífica dos Povos Europeus, começar a imparável marcha do relativismo ético, da submissão obscura da moral até então vigente.
A França de hoje, laica, republicana, de esquerda e pretensamente livre, proíbe um vídeo sobre a inclusão das pessoas com trissomia 21 para não perturbar a marcha do aborto livre, nem correr o risco de acordar alguma consciência. Fez o mesmo, com igual propósito, aos sites pró-vida, num acto da mais abjecta censura anti-democrática. O eugenismo em nome da auto-determinação é um facto indesmentível. Na Holanda e na Bélgica, para além da banalização do aborto, banalizou-se a eutanásia, com números assustadores e razões arrepiantes. O ser humano não-útil começa a não ter razão de existir.
Em Portugal, depois do aborto livre, da despenalização das drogas, do casamento gay, da adopção gay, das barrigas de aluguer, chega inevitavelmente a eutanásia. Não há sequer novidade neste caderno de encargos da esquerda jacobina. Repete-se em toda a Europa mais ou menos pela mesma ordem e com os mesmos argumentos, num mesmo resultado: a prevalência do capricho individual sobre a ética e a moral social vigentes, como forma de revolução que liberta para o nada absoluto.
A Direcção Geral da Educação e a da Saúde, que não elegi, nem sei quem são, vieram agora preconizar a educação sexual no pré-primário e o manual de instruções para o aborto no 5º ano. Já agora, por que não salas de chuto nas escolas? Portugal, às mãos da extrema-esquerda que, curiosamente, não preocupa a Europa oficial no plano em que se atormenta com a extrema-direita, vai a altíssima velocidade nesta onda de desconstrução e descaracterização daquilo que realmente somos. O tão sonhado homem novo está ao virar da esquina.
As eleições já não se ganham apenas pela economia. Clinton perdeu, essencialmente pela militância das causas fracturantes que mencionei, e pelo despertar do povo para a imperiosa necessidade de travar esta marcha de destruição. Na Europa, só nos países intervencionados prevaleceu a economia, nos restantes há um clamor incontornável contra esta ditadura da minoria do politicamente correcto. A intolerância sufocante da esquerda, antes de cumprir o sonho jacobino de destruir a Europa que somos, destruir-se-á a si mesma. Hoje arrasta-se sem dignidade e dificilmente a recuperará, porque se apressou a negar a ética que a garante.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.

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