Homilia no encerramento do Sínodo Diocesano e Ordenações

DOM MANUEL CLEMENTE CARDEAL PATRIARCA DE LISBOA    08.12.16

Homilia no encerramento do Sínodo Diocesano e Ordenações 
Sem Maria, nada seríamos nem faríamos como Igreja
Homilia na Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, celebração conclusiva do Sínodo Diocesano e Ordenações

Celebrar a Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria é também vislumbrar-nos a nós mesmos como Deus a olhou a Ela: em função de Cristo e a partir de Cristo.
Em função de Cristo, pois, como ouvimos na Carta aos Efésios, é n’Ele que nos tornamos «santos e irrepreensíveis, em caridade».  Em Cristo, tornamo-nos no que Maria foi desde a sua Conceição: santos e irrepreensíveis, além de toda a mácula, pecado e desamor. 
Em Maria, Deus como que recriou a terra, para nela e dela poder nascer o Homem Novo, Jesus Cristo. Na medida em que Cristo for nascendo também em cada um de nós, a sua presença no mundo será mais manifesta, operante e salvadora. E em liberdade perfeita, como foi a dela, a «cheia de graça», assim saudada pelo Anjo. Porque a liberdade é do tamanho da caridade. Propriamente referida, não é a possibilidade negativa de escolher o mal: é, isso sim, a possibilidade positiva de fazer o bem, vencida a resistência do pecado.
Desde a sua Conceição, Maria foi inteiramente libertada para o bem, que é outro nome da vontade de Deus aceite e cumprida. Como ouvimos: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra». Nesta liberdade perfeita e incólume foi concebida, nesta liberdade concebeu a Cristo e O seguiu depois, do presépio à cruz e da cruz à glória.
Relembremos liturgicamente o arco completo da existência da Mãe de Cristo, para nele revermos o que em nós há de ser: Hoje, 8 de dezembro, é a sua Conceição Imaculada, para daqui a nove meses certos celebrarmos a sua Natividade, a 8 de setembro. A 25 de março lembraremos como concebeu Jesus, na Anunciação, e daí a nove meses, a 25 de dezembro, o Natal do seu Filho. Em Sexta-feira Santa encontrá-la-emos junto à Cruz; e a 15 de agosto, na Assunção, participando inteiramente da Páscoa do Senhor, para com Ele nos acompanhar «até ao fim do mundo» (cf. Mt 28,20).

É sempre a esta luz que, com Cristo e Maria, restauraremos uma existência imaculada, para nós e para os outros, na mesma graça libertadora e plena. Assim progrediremos com Maria no seguimento do seu Filho, até que a morte nos eternize na caridade divina, essa mesma que «nunca acabará» (cf. 1 Cor 13,8). 
Num percurso que também nos leva da conceção ao nascimento, do nascimento ao crescimento e até à morte natural, sempre acrescentado e nunca interrompível, em nós e nos outros. Sobretudo quando males do corpo ou tristezas da alma requeiram, isso sim, mais presença e companhia, de cada um a cada um, de todos a todos. Cuidados reforçados que, não só do ponto de vista clinico, chamamos “paliativos”, palavra ligada a “pálio”, que significa manto, envolvimento, cobertura e proteção.
Como Nossa Senhora da Conceição, Maria é também Padroeira de Portugal. Com este título a queremos invocar e imitar, alargando nós, como sociedade, um manto protetor aos que sofrem momentos difíceis e a roçar o desespero. Não nos dispensemos, por qualquer legalização abusiva, do bom apoio que lhes devemos, sempre no sentido da vida. Recuarmos neste ponto seria gravíssima limitação da liberdade autêntica, que apenas reside no viver e conviver.
Com o seu «manto tecido de luz» nos envolve a Mãe de Cristo. Tornemo-nos também nós numa “sociedade paliativa”, que corresponda com mais proximidade e maiores cuidados a qualquer dor que surja, a cada pessoa que sofra. De contrário avançaria a morte, que nem se há de pedir nem jamais se há de dar a ninguém. Entreabrir-lhe a mais pequena brecha seria rapidamente escancarar-lhe a porta larga das mais graves consequências – como já se sofrem nas sociedades que o fizeram.

Fixemo-nos agora em dois motivos fortes da nossa presença aqui: o Sínodo Diocesano, que concluímos e agradecemos, e as Ordenações que felizmente se seguem: 
Também nós, Patriarcado, nos acrescentaremos com Maria no amor de Deus e do próximo. Na Constituição Sinodal de Lisboa, hoje oferecida à Diocese, apresenta-se um conjunto de opções que são outras tantas coincidências com a primordial opção de Deus. Sim, de Deus, que, como aconteceu com Maria Imaculada, nos quer santos e em missão, em comunidade e crescimento na fé, em cada família e na resposta fiel à vocação pessoal; tudo sinodalmente levado, pois só em conjunto faremos o que devemos. 
Assim aconteceu com Ela, plenamente santa da santidade do seu Filho, em pronta missão na visita a Isabel, em comunidade do Presépio ao Pentecostes; a primeira iniciada no caminho cristão, mãe de Jesus e esposa de José, vocação cumprida sem recuo nem demora; e sinodalmente, pois não ia só.     
Com Maria, nossa Senhora e Mãe Imaculada, prossigamos sempre e sinodalmente também. A melhor receção do Sínodo Diocesano será essa mesma, de cada comunidade se perguntar ciclicamente pela concretização prática desta atitude marial de maior acolhimento e mais decidida missão, longe ou perto. 
Atitude “marial”, repito, pois a Maria nos confiou Jesus Cristo e sem Ela nada seríamos nem faríamos como Igreja. Na verdade, como no Prefácio cantaremos, na graça concedida a Maria começa a Igreja, seguindo-a na correspondência também: «Nela [Pai santo] destes início à Igreja, esposa de Cristo, sem mancha e sem ruga, resplandecente de beleza e santidade». Assim foi e só assim continuará a acontecer. 
A Imaculada Conceição foi em Maria a preparação pessoal para a incarnação de Cristo: Nova Terra para o Homem Novo. Desde o Batismo, caríssimos ordinandos, o mesmo Espírito que a guardou a Ela de todo o contágio do mal, trabalhou também em cada um de vós para serdes sacramento da presença diaconal ou sacerdotal de Cristo. Mantende os olhos na Imaculada, para serdes inteiramente límpidos de coração e gesto, na graça de Cristo de que sereis instrumentos.
Entregai-vos constantemente à proteção da Virgem Imaculada. Experimentareis a sua proximidade e incentivo, tão próprios dum coração materno, repassado de misericórdia divina. Com Ela acolhei a Cristo em vós e nos outros, em vós para os outros. Verificareis assim, verificaremos todos, as maravilhas de Deus, num contínuo Magnificat que sempre cantaremos. 

Lisboa, Santa Maria de Belém, 8 de dezembro de 2016

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