Carta aberta à Ordem dos Psicólogos Portugueses
ROSÁRIO BOAVIDA 4.12.16 OBSERVADOR
Não me parece crime usar a palavra “toxicodependente” para fazer ver aos pais que se deve acolher uma pessoa seja qual for a sua realidade: toxicodependente, homossexual, heterossexual, empresário...
Exmºs Srs,
Escrevo a propósito do comunicado da OPP “A propósito das declarações da Dr.ª Maria José Vilaça à revista ‘Família Cristã'”, do passado 13 de novembro.
Após reflexão sobre a entrevista original, o esclarecimento da Drª Maria José e o vosso comunicado, estas são as considerações que desejo partilhar.
Existem na nossa sociedade pais que, infelizmente, têm dificuldade em aceitar um filho homossexual. Parece-me óbvio que esta não aceitação não contribui para o bem-estar destes filhos – não é fácil não ser aceite pelos próprios pais, que são aqueles de quem esperamos uma aceitação incondicional. Até aqui, parece-me consensual.
Não conheço de perto associações como a ILGA ou outras mais ou menos formais que se empenham em fazer valer direitos LGBT, mas acho louvável que se preocupem com o bem-estar e aceitação destas pessoas. Isto porque acho que todos nos devemos preocupar com o bem-estar e aceitação de todos os seres humanos.
O que leio como mensagem profunda e essencial nas declarações da Drª Maria José, seja na entrevista original, seja no esclarecimento prestado à posteriori, é que os pais devem acolher e amar os seus filhos homossexuais. Penso, assim, que teria sido muito mais feliz por parte dos diferentes grupos ativistas LGBT chamarem a atenção para isso mesmo: que a Dra. Maria José Vilaça exorta os pais de filhos homossexuais a acolhê-los e amá-los. É este o passo que deve ser dado, se de facto nos preocupamos com o sofrimento de pessoas LGBT que não se sentem acolhidas ou amadas pelos próprios pais. Para mais, não me parece descabido esperar que os pais com mais dificuldade nesta aceitação sejam pais muitas vezes considerados “mais conservadores”, que provavelmente podem ler a revista Família Cristã. Também não me parece descabido que esses pais possam considerar mudar de atitude em relação aos seus filhos, tendo em conta o que disse uma psicóloga de uma fonte que poderão considerar mais credível, porque mais semelhante ao nível dos valores morais.
O que quero dizer é simplesmente isto: se eu fosse uma mãe educada num contexto mais conservador e fosse cristã, e descobrisse que o meu filho era homossexual, poderia ter dúvidas sobre o que poderia fazer que fosse o melhor para ele. Ao ouvir as declarações da Drª Maria José, podia sentir-me confirmada na minha intuição de que o devo amar tal como ele é. E isto podia ter um impacto positivo na vida do meu filho. Este impacto positivo na vida deste homossexual é do interesse de todos: do filho, dos pais, dos grupos defensores das pessoas LGBT, dos psicólogos e da sociedade em geral. E, portanto, do interesse da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Por esta razão esperava que a OPP encorajasse a Drª Maria José Vilaça. Em vez disso, verifiquei um comunicado apressado emitido a um domingo, dando a sensação de ter sido escrito com medo da pressão de grupos que exigiam medidas imediatas.
Lamento. Porque isso faz-nos polarizar grupos e posições, quando toda esta história podia e devia ter sido aproveitada para construir pontes e construir paz.
Não me parece crime usar a palavra “toxicodependente” para fazer ver aos pais que se deve acolher uma pessoa seja qual for a sua realidade: toxicodependente, homossexual, heterossexual, dono de uma empresa,… este caminho é indiferente, era um meio para atingir um fim, uma mensagem.
Considero que a OPP deveria sim valorizar as diferenças de opinião entre os seus profissionais e promover o direito à liberdade de expressão. Considero, particularmente, que a OPP devia valorizar os ótimos profissionais que tem: conheço pessoas acompanhadas pela Drª Maria José e vejo o quanto isso as ajuda. Não tenho a menor dúvida que é uma excelente profissional.
Assino esta carta confiando que será lida e tida em conta de coração aberto, com boa vontade e honestidade intelectual.
Melhores cumprimentos,
Rosário Boavida
Formada em Psicologia Social e das Organizações
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