O Natal dos consumidos (e um pedido)
ANTÓNIO BAGÃO FELIX VOZDAVERDADE 25.12.16
Estamos a breves dias do Natal. O que sobra em consumismo desenfreado (seja-se crente, agnóstico, ateu ou de um sincretismo de tudo e nada), falta em espiritualidade adventista. É assim cada vez mais, perante a primazia do (de)ter, do comprar, do usar, do trocar. Uma correria sem nexo, acorrentada pela obrigação, mais do que alimentada pelo coração. Uma permuta instrumental que transforma o prazer de dar em desprazer de despachar. Pessoas sujeitas à pressa, à quantidade, à turbulência cheia de vazio, num vaivém freneticamente estúpido. Atafulham-se com listas e preçários, numa contabilidade que releva o presenteado em euros e compara as prendas natalícias com o custo do recíproco. Agora, até o Natal é antecedido por uma nova mercearia com nome inglês, pois claro: “Black Friday”. Nisso somos imparáveis, importamos tudo o que seja consumismo. É aproveitar a ilusão (e, às vezes, a trafulhice) dos preços em regime ioió, quer dizer subindo para depois descer e descendo para depois subir.
No fim, a exaustão do corpo, a carência do espírito, a inutilidade do gasto, a velocidade uniformemente acelerada da compra precipitada, o excesso das trocas e baldrocas, o vácuo depois da apoplexia. E lá se foi o Natal. Mais um. Com inutilidades de prendas (perdão, presentes, segundo os cânones socialmente correctos) condenadas ao esquecimento ou – quem sabe – a girar no próximo Natal.
Agora que vivemos no tempo dos smartphones e das redes sociais, outro martírio se nos depara. A enxurrada de “Boas Festas” e outras expressões do momento cai, em inusitada abundância, nas nossas maquinetas mais ou menos “smart”. Confesso que tenho saudades do tempo em que, por esta época festiva, se falava com a família e amigos. Agora é sempre a andar em jeito de poluição de afectos: centenas de SMS (e mails) de conhecidos, desconhecidos, ignotos, chatos e insinuantes. Sem selecção, sem critério, ao dispor de um dedilhar de um botãozinho. Abomino, sobretudo, os que logo percebo que foram enviados para um vasto conjunto de “amigos”, com “beijos ou abraços” ou, na linguagem cifrada e com correcção de género por via de um @, “abreijos” para todos “car@s amig@s”. E, também, os que, na obsessiva preocupação de não cair nas palavras simples e mais usadas, escrevem bizantinices florentinas, em prosa ou falso verso, que, de tão kitsch, me fazem perder o apetite mesmo diante de um bolo-rei.
Que saudades tenho do dia 24 de Dezembro sem esta parafernália de termos e desenhos tontos que, de tanta inflação de uso e de abuso, nada significam. Por isso, procuro preservar o Natal de família e de amizade. Das pessoas que me estão próximas no coração, não naquele dia, mas sempre.
Gosto do gosto de um Natal com a magia que advém (e não desaparece) do imaginário infantil. De um Natal que seja capaz de, por uns instantes, tornar os adultos mais crianças e as crianças mais meninos e meninas. De um Natal, em que o melhor não é só a data e o que ela representa do nascimento do Menino-Deus, como a atmosfera dos dias que o antecedem, porque o melhor não é o chegar, mas o ir ao encontro de, não é o possuir, mas o viver.
Aproveito para clamar por uns dias natalícios sem um “tsunami de SMS e quejandos”. Depois de falar com quem quero, o meu telemóvel vai tirar uns dias de férias de e no Natal e transformar-se numa parede inexpugnável. Por favor, poupem os euros de mensagens que as operadoras vos facturam com tanto zelo! Assim, terei tempo para parar, contemplar, falar, pensar diante do aniversário do nascimento d’Aquele em que acredito. Com esperança e alegria.
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