Pentecostes

Grão Vasco (Vasco Fernandes)
Pentecostes

c. 1534-1535, óleo sobre madeira
158,3 x 161,7 cm
Sacristia da Igreja de Santa Cruz
Coimbra, Portugal
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Obra fundamental à compreensão do universo pictórico de Vasco Fernandes, e importante testemunho da sua adesão aos valores do Renascimento italiano, é um dos melhores exemplares da pintura quinhentista portuguesa, ostentando ainda uma magnífica moldura coeva.Vasco Fernandes recebia, em 1535, parte do pagamento pela feitura de quatro retábulos para o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Desta empreitada resta apenas o retábulo da Capela do Espírito Santo, Claustro da Portaria, que, em 1541, D. Fernando de Mendanha considera pintado "por mão de outro Apeles".
Em finais do mesmo século, Frei Jerónimo Roman, descrevendo também minuciosamente o mosteiro, refere-se à Capela do Espírito Santo da seguinte forma: "mandada fazer por D. João III, excelente pela traça, é muito boa a mão de quem lavrou e pintou ali". Actualmente a obra está localizada na Sacristia (o Claustro da Portaria foi demolido quando se construíram os actuais Paços do Concelho), desconhecendo-se a data exacta da sua transferência e de um provável restauro, a que Luciano Freire se refere: "Infelizmente já o quadro em época remota, tinha sido limpo de maneira a deixarem-no sem pele, tendo-o pintalgado em muitos pontos para encobrir mazelas". De facto, alguns autores escrevendo no século XIX, nomeadamente Raczynski, referem o inadequado estado de conservação decorrente de um mau restauro. As alterações introduzidas pelo pintor e por restauros sucessivos são bem visíveis através de uma análise atenta.
Foi, durante anos, uma obra de autoria controversa, por se supor que a assinatura VELASC9 não correspondia à forma latinizada de Vasco. Reynaldo dos Santos, através do Livro da Receita e Despesa do Mosteiro de Santa Cruz, referente ao ano 1534-35, e de um recibo de pagamento a Vasco Fernandes de uma prestação de quatro retábulos executados para este mosteiro, vem definitivamente provar a sua autoria e cronologia.
A contradição entre o classicismo da arquitectura e a ideia nervosa e dramática das figuras está expressa numa obra de intensidades e contradições. A intensa expressividade dos rostos e o patetismo como expressão do sentimento religioso são notórios nas figuras dos apóstolos que se agitam num arrebatamento cósmico. Uma luz intensa e quase apocalíptica revela um espaço cénico racional, depurado e de evidente inspiração renascentista, ao centro da qual, e contrastante na serenidade escultórica, figura o grupo da trindade feminina. O contraste entre o espaço cénico e as figuras femininas, por um lado, e a energia emergente das figuras que definem uma estrutura elíptica, por outro, evidencia o eclectismo dos componentes classicistas em Vasco Fernandes. Este dramatismo, acentuado pela cor vermelha das figuras em primeiro plano, é alheio a qualquer concepção classicista da figura humana. Não se trata, como é evidente, de uma prática empírica de resolver o fenómeno pictural. A concepção e disposição espacial das figuras e os valores cromáticos remetem para um modelo ou para uma reflexão profunda. A latinização da assinatura, que figura em primeiro plano sobre um pergaminho enrolado, é sintomática da utilização de um novo estilo enquanto linguagem alternativa.
Dalila Rodrigues
(publ. em Grão Vasco e a Pintura Europeia do Renascimento,
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1992)

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