Por um jornalismo menos apressado e mais reflectido

Publico 2012-11-11 José Queirós
Falta de equilíbrio e práticas profissionais pouco recomendáveis: dois exemplos recentes

Entre várias mensagens de crítica ao jornal que me chegaram nos últimos dias encontro um denominador comum: os erros que os leitores apontam poderiam em geral ter sido evitados com uma receita simples - menos precipitação e mais reflexão. Menos frenesim na divulgação de notícias na edição electrónica, menos decisões editoriais apressadas pelo jogo de concorrência no universo da informação online ou influenciadas por surtos de excitação nas redes sociais. Numa palavra, mais profissionalismo.

Por muito exigentes que sejam os ritmos de publicação de um jornal diário ou de actualização do seu site na Internet, por mais que uma estrutura redactorial afectada por cortes sucessivos se torne vulnerável a falhas, não há jornalismo de qualidade - como o que o PÚBLICO promete aos seus leitores - sem uma disciplina de verificação e ponderação cuidada da informação a publicar. Omitir uma notícia ou adiar a sua publicação é sempre menos mau do que publicar informações erróneas e textos que se afastam das boas práticas profissionais. Deixando para outra ocasião várias queixas relacionadas com deficiências de edição, passo a referir dois casos recentes em que a precipitação terá prevalecido sobre a necessária reflexão.

1. Uma notícia publicada anteontem, sob o título "Isabel Jonet acusada de usar a fome como arma política", relata o que é descrito como "uma onda de protesto e de indignação" que teria sido gerada por declarações da presidente do Banco Alimentar contra a Fome durante um debate televisivo, dois dias antes, na Sic Notícias. Segundo este jornal, as reacções que "[se] multiplicaram logo nas redes sociais" - outros foram mais longe e falaram de uma "onda de indignação no país" - ficaram principalmente a dever-se a duas ideias defendidas pela conhecida activista social: os portugueses "vivem muito acima das suas possibilidades" e vão "ter que reaprender a viver mais pobres".

A peça suscita várias perplexidades. Antes de mais, sobre a sua relevância. Se é certo que as posições assumidas por Isabel Jonet vieram dar nova visibilidade a um velho debate sobre os méritos das acções de caridade, não é menos verdade que as suas frases citadas na notícia em nada diferem do que tem sido repetido até à exaustão, nos últimos meses, por numerosos políticos, economistas e analistas. São certamente polémicas, no sentido em que exprimem uma das posições antagónicas que hoje se confrontam no país sobre as causas da crise económica e os modos de a combater. O debate argumentado dessas posições merece todo o espaço, mas o destaque que lhe foi dado no plano noticioso parece ignorar que a presidente do Banco Alimentar não é uma decisora política.

Depois, o conteúdo. Quase todo o espaço da notícia foi ocupado pelos ataques dirigidos a Isabel Jonet, com destaque para uma "carta aberta" publicada na Internet. Trata-se de um texto panfletário que, como bem nota o autor da peça do PÚBLICO, José Augusto Moreira, assume "um tom de violento ataque pessoal" à dirigente do Banco Alimentar. Note-se que a autoria desse texto foi atribuída por erro, corrigido ontem pelo jornal, à historiadora Raquel Varela, que redigira um outro documento crítico, de teor diferente, às declarações de Isabel Jonet. De onde se conclui que o "violento ataque pessoal" que o PÚBLICO achou por bem transcrever não tem, para já, rosto conhecido. É assinado, na rede, por "O Movimento Sem Emprego".

As extensas acusações contidas na peça não são acompanhadas de qualquer contraditório. O jornalista esclarece no texto que Isabel Jonet foi convidada a pronunciar-se (com insistência, segundo me explicou), mas não quis fazê-lo. No entanto, existem outras formas de procurar o contraditório, objectivo de que o jornalismo isento nunca deve desistir. É, aliás, forçoso registar que, sendo a notícia justificada com as "reacções de indignação" encontradas na Internet, nela se ignora totalmente o facto de que nas redes sociais e na blogosfera se "multiplicaram" também as manifestações de apoio à líder do Banco Alimentar.

Este foi, na minha opinião, um exemplo de uma notícia claramente desequilibrada e incompleta no plano informativo, em que o jornal se portou como pouco mais do que um amplificador, aliás selectivo, do que encontrou nas redes sociais. O próprio autor o reconhece de algum modo, ao comentar que "a forma como hoje se produz informação torna difícil fazer jornalismo". É aos jornalistas, no entanto, que cabe em primeiro lugar enfrentar essas dificuldades e defender a integridade e as boas práticas da profissão.

O PÚBLICO prestaria um bom serviço aos seus leitores se procurasse, através do inquérito jornalístico, a resposta a uma questão - essa, sim, relevante - suscitada na sequência das declarações de Isabel Jonet, nomeadamente por voluntários do Banco Alimentar. Irá a sua intervenção televisiva, com as reacções a que deu lugar, prejudicar a organização a que preside (e outras similares), na sua capacidade de mobilização, agora que se prepara uma nova campanha de recolha de alimentos?
O texto segue com outro exemplo….

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