Domingo de Cristo-Rei

João Vila-Chã
Facebook, 2012-11-25

Com a Solenidade de Cristo Rei e Senhor do Universo, uma festa que entrou no calendário litúrgico da Igreja apenas em 1925 por determinação do Papa Pio XI e oficializada com a publicação da Encíclica “Quas Primas” a 11 de Dezembro de 1925, termina hoje o Ano Litúrgico da Igreja. Em meu entender, a instauração desta Solenidade teve muito a ver com a necessidade de educar o Povo de Deus, pois essa é também uma função da liturgia na Igreja, para o facto de que a Vinda de Cristo passa necessariamente, ainda que não exclusivamente e sempre de forma misteriosa, pela desabrochar da nossa Acção na História, ou seja, pela contribuição, individual e comunitária, de cada pessoa baptizada e, portanto, incorporada no Mistério de Cristo, é chamada a dar para o processo da Cristificação do mundo, ou seja, para a afirmação real da Vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, uma vitória que antes de acontecer fora de nós tem, por obrigação, de acontecer no mais íntimo do nosso coração, pois só o coração humano, e não tronos feitos de ouro ou prata, pode, realmente, servir de escabelo aos pés de Cristo e constituir, na história, trono para manifestação da Glória que Lhe vem do Pai. Efectivamente, Cristo vem; Cristo vem, pois a Sua Primeira Vinda já aconteceu; Cristo vem e virá, como Senhor e Rei e contudo carente do nosso empenho, da nossa dedicação, do nosso compromisso em fazer Obra da Sua Palavra, em construir o Reino que se funda no Amor e na Justiça inscritos no Mistério da Incarnação do Logos. Mas diante deste Cristo que sempre-vem, a nós Seus discípulos compete, não menos do que qualquer outra coisa que possamos fazer, dar-Lhe glória e louvor; retribuir no pensamento e na acção a Verdade que Ele é e nos conduz pelo Caminho da Vida que, para o crente, só Ele é; enfim, a Solenidade de hoje recorda-nos a absoluta necessidade que temos de reconhecer em Cristo o Juiz último e definitivo de toda a História e da Acção que a faz, de olharmos para Ele e nos perguntarmos pela qualidade crística dos nossos projectos e aspirações, dos nossos desejos de felicidade e amor, enfim, desta totalidade existencial que somos no e através do tempo.


Escolho como ilustração desta comunicação e partilha a extraordinária representação pictórica do Juízo Final e tal como se encontra na Capela Sistina, aqui em Roma, saída do génio artístico de Michelangelo. A imagem é sumamente elucidativa e não há comentário sobre a mesma que se possa fazer apenas em poucas palavras, e contudo uma observação não quero aqui deixar de fazer a partir do facto artístico que nos mostra como no Juízo Final se dá uma manifesta “divisão das águas” a partir do Centro que é Cristo, uma divisão que nenhum outro texto da Sagrada Escritura explica melhor do que aquele que se encontra no capítulo XXV do Evangelho segundo São Mateus. Ora acontece que, pelo menos em meu entender, não nos podemos dispensar, mesmo num dia como hoje, de considerar, ainda que muito superficialmente, o que julgo ter sido a coragem associada com a decisão do Papa Pio XI de introduzir na Liturgia a Solenidade de Cristo Rei. De facto, refiro-me à mesma coragem que anos mais tarde haveria de levar o Santo Padre a escrever «Mit brennender Sorge», a Encíclica que em Março de 1937 tornava inequívoca a condenação do nazismo, especialmente na medida em que este violento movimento político aparecia dotado de contornos manifestamente pagãos e associado a uma ideologia profundamente anticristã. De resto, tampouco nos deve escapar que a introdução da Solenidade de Cristo Rei aconteceu num momento em que, e sem já nem sequer mencionar o que se passava na União soviética de então, num país católico como o México, então transformado num vasto feudo político da maçonaria, a pressão anticatólica era extraordinariamente radical, tendo ali o anticlericalismo chegado ao ponto de destruir numerosas igrejas, de expulsar todos os sacerdotes que não fossem casados, e até mesmo de proibir o uso da palavra “adeus”. O número de mártires causados pela “revolução mexicana” foi, naturalmente, grande estando entre esses, como ainda há dois dias aqui referimos, o Padre Miguel Pro, da Companhia de Jesus, homem que ao ser fuzilado no dia 23 de Novembro de 1927 deu aos seus algozes e ao mundo inteiro este impressionante grito de vitória: “Viva Cristo Rei!” Mas tampouco devemos esquecer que estes eram igualmente os anos em que num país como a Espanha o governo ousava proclamar: “a partir de hoje a Espanha não será mais cristã”, dando-se dessa forma início a um processo de laicização forçada, e consequente redução da Igreja à condição de mera associação civil, tudo desembocando num duríssimo processo de expropriação dos bens eclesiásticos e na brutal violação, da mais elementar liberdade religiosa dos cidadãos, não raro a um preço que depois se contabilizou em milhares de casos em que bispos, padres e religioso/a/s foram barbaramente assassinados. E se as coisas em Portugal, apesar de más, foram bem melhores do que isso, eu julgo que o caso não tem explicação melhor do que aquela que deriva de a nação se saber encontrar sob o manto protector do Filho de Deus nascido do seio virginal de Maria. Com efeito, julgo urgente continuar a ensinar aos portugueses o significado profundo de um notável sinal arquitectónico como aquele que domina a margem sul do Tejo, ali mesmo em frente de todas as grandes janelas de Lisboa, como não menos importante é mostrar em todo o Brasil o que seja o real valor simbólico do extraordinário monumento que, a partir do Corcovado, não pode deixar de tocar o coração de todos.

Desta forma, desejo simplesmente contribuir para uma mais justa compreensão do impacto que já teve e não pode deixar de continuar a ter a introdução no Calendário Litúrgico da Igreja a Solenidade de Cristo Rei, pois esta, apesar de relativamente recente, foi veículo de grande importância no processo de afirmação da Igreja no mundo durante o século XX, especialmente em contextos de grande hostilidade e perseguição. Evidentemente, sobretudo olhando com os olhos da alma para a obra-prima de Michelangelo de que apresento fotografia e se refere ao Juízo Final que domina a Capela Sistina, não podemos deixar de cair na conta, nomeadamente ao celebrar a Solenidade de Cristo Rei e Senhor do Universo, de como um dos maiores e mais difíceis desafios que, ontem como hoje, se apresentam à Igreja, e isso mesmo no que se refere à presença da mesma no Espaço Público das nossas sociedades, tem a ver com o processo espiritual mediante o qual Cristo toma realmente posse do nosso coração, para nele reinar e, claro, a partir do íntimo de cada um/a de nós, poder governar os destinos do mundo a partir de cada uma das suas ordens e, por isso, abarcando tanto a esfera privada como a ordem pública inerente à existência humana. Em suma, julgo imprescindível ter claro, sobretudo num dia como hoje, que o Reino de Cristo pertence primaria e fundamentalmente à ordem espiritual das coisas, pelo que dificilmente haverá modo mais significativo de celebrar a realeza de Cristo do que fazer o que nas mãos da nossa humana liberdade estiver no sentido de, sempre de novo e sempre mais profundamente, Ele, que é Rei e Senhor, poder efectivamente tomar posse do trono que mais deseja, que mais lhe compete e que, na verdade, mais falta Lhe faz: o do nosso próprio, e sempre único, coração!



Comentários

O ultimo domingo do ano litúrgico celebrou-se ontem com a festa de Cristo Rei, no entanto o ano litúrgico termina apenas no próximo Sábado, dia 1 de Dezembro. O primeiro dia do novo ano litúrgico é o dia 2 de Dezembro, Domingo, com a celebração do primeiro dia de Advento.
Falta o autor: João Vila-Chã, sj
Unknown disse…
Obrigado. Tem razão.
Agora já não falta

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