Sabotagem

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2012-11-19

No torvelinho de debates é bom parar e pensar numa questão simples: e se a austeridade for mesmo inevitável? Bem sei que isto é a heresia máxima para alguns que se dizem tolerantes. Mas por instantes, como exercício intelectual, vale a pena considerar a possibilidade.
Afinal os mais reputados analistas e instituições têm dito que ela é o único caminho. Economistas e especialistas de todos os quadrantes asseguram que a solução é dura mas as alternativas são piores. O tão vituperado FMI é a entidade do mundo com mais experiência de recuperações económicas. É verdade que há nomes sonantes do outro lado, mas esses em geral mostram-se enfurecidos, interesseiros ou embriagados de notoriedade.
O contraste entre os dois lados do debate não podia ser maior. A favor do ajustamento com sacrifícios temos estudos, manuais, organizações internacionais, ministérios. Qual o interesse deles em dizer isto? Serão malévolos, ladrões ou estúpidos? Não preferiria o senhor primeiro-ministro garantir facilidades, dar alívio, prometer sucesso? É evidente que ninguém aplica austeridade a não ser que esteja plenamente convencido de que não há alternativa.
Do outro lado, os vociferantes inimigos dos cortes raramente se incomodam a apresentar análises cuidadas e propostas concretas. Além disso, manifestam claramente o seu interesse pessoal em fazer o que fazem. Uns são agitadores profissionais. Outros oportunistas políticos, aproveitando as críticas como meio de regresso ao poder. Claro que temos também multidões de pessoas desesperadas que, tendo toda a razão, dificilmente fazem uma análise ponderada da situação.
Não é preciso invocar sumidades ou proclamações. Basta pensar um pouco para ver que quem acumula uma enorme dívida tem inevitavelmente de passar uns tempos de jejum para a pagar. Isto não é a feijões e o dinheiro não nasce nas árvores. Discursos irritados ou empolgados não pagam dívidas. Sabemos que, mesmo quando o débito não é nosso (e muito é), foi o Estado quem se empenhou em nosso nome para nos dar aquelas coisas que tanto se orgulhava de conseguir. Durante anos ministros forneciam benesses que diziam ser grátis. Agora chegou a conta.
Mas se afinal a austeridade é inevitável, então aquilo que muitos fazem só pode ser considerado sabotagem. Primeiro alguma imprensa, fascinada com as atoardas, esquecendo ou menorizando análises serenas, corre a proclamar qualquer dislate sonoro, e quanto mais extremista e desmiolado mais repetido. Como a grande maioria da população suporta com seriedade a situação, a aparente enxurrada de violência e insulto deve muito ao enviesamento da imprensa irresponsável, insistindo em dar palco aos tribunos incendiários.
Outros casos de sabotagem são evidentes. Quando os trabalhadores dos portos paralisam as exportações para defenderem regalias pessoais cometem traição à pátria. Como em muitos serviços básicos, dos transportes aos hospitais e repartições, que os respectivos agentes usam como armas de arremesso contra o país. Aliás só os sectores protegidos têm paralisado. Os outros sabem que fazer greve não defende direitos, contribui para os destruir.
A questão não é tanto o flagrante egoísmo, mas a asneira patente. Por baixo da luta de interesses, estamos todos no mesmo barco. Aqueles que sabotam a economia para combater a austeridade estão a serrar o tronco onde se sentam. Sem exportações, sem produção, sem redução da despesa pública, sem eliminação de freguesias, fundações, institutos, o País mergulharia na depressão. E todos iríamos abaixo com ele. O caso grego deveria ser lembrado, pois é escolha para que alguns nos querem empurrar.
A austeridade é inevitável porque há cinco, dez, quinze anos não tomámos as medidas que alguns agora se lembram de sugerir. Então era possível negociar com credores, obter condições favoráveis, cortar gorduras. Só começámos a ajustar na última oportunidade quando todos o faziam há anos. Década e meia de facilidade e três anos de delírio e ilusão tornam a austeridade indispensável.
naohaalmocosgratis@ucp.pt

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