Nós, os jornalistas

Sol, 19 de Novembro, 2012
José António Saraiva

É sabido que nós, os jornalistas, gostamos das más notícias.

Preferimos muito mais escrever: «O desemprego voltou a aumentar este mês» do que «Os juros da dívida portuguesa baixaram»; estamos prontos a dar mais destaque a uma notícia como «A Fitch atirou Portugal para o nível de lixo» do que «O presidente do BCE diz que Portugal está no bom caminho».
Para nós, quanto mais negra for a realidade melhor.
Nós temos uma volúpia pelas notícias negativas – e, obviamente, por aquelas que põem em causa os senhores do poder.
Nós assumimo-nos como contra-poder e temos meios para virar do avesso, às vezes, uma declaração.
Há umas três semanas, Fernando Ulrich deu uma entrevista à RTP em que elogiava o ministro das Finanças («Acho que é o homem certo no lugar certo»), referia alguns bons resultados já alcançados pelo país e finalizava dizendo que neste período de crise deveria haver eleições de dois em dois anos.
Ora, como o Governo completa dois anos em Maio, vários colegas nossos titularam: Ulrich defende eleições em Maio.
E assim, conseguiu-se que uma entrevista positiva e elogiosa para o Governo fosse percepcionada por muita gente como uma crítica.
De facto, uns dias depois, um colunista afecto ao PCP escrevia: «Nunca pensei estar de acordo com um banqueiro. Mas até Fernando Ulrich defende a demissão do Governo e a realização de eleições em Maio».
Há outra maneira de apresentar a realidade a que nós, nos últimos tempos, estamos a recorrer.
É fazermos notícias a partir das opiniões.
Em vez de abrirmos os noticiários ou os telejornais com factos, abrimo-los com opiniões, o que permite uma maior coerência noticiosa.
Imaginemos este exemplo de abertura de um Telejornal:
1.ª notícia: «Mário Soares defendeu a demissão do Governo».
2.ª notícia: «Manuela Ferreira Leite diz que o Governo é incompetente».
3.ª notícia: «Freitas do Amaral afirmou que o Governo perdeu a legitimidade».
4.ª notícia: «Marcelo Rebelo de Sousa adiantou que Miguel Relvas já não devia ser ministro».
5.ª notícia: «Bagão Félix acusou o Governo de querer acabar com a Segurança Social».
6.ª notícia: «Marques Mendes considerou o Orçamento um roubo à mão armada».
Algumas afirmações podem nem ser desse dia, mas juntas umas às outras contribuem para produzir mais efeito e ninguém dá por isso.
Há pessoas a dizer que já não ouvem os telejornais e evitam ler jornais.
Umas por acharem que somos tendenciosos, outras por já não terem paciência para as notícias negativas ou por entenderem que os noticiários só contribuem para a depressão.
É lá com elas.
Nós achamos que as más notícias vendem mais, sobretudo quando as pessoas andam revoltadas com o Governo.
Além disso, nós também não gostamos deste Governo e faremos o que for possível para o fragilizar.
Porquê?
1 – Porque, sendo nós maioritariamente de esquerda, estaremos sempre contra governos de direita.
2 – Porque o Governo anunciou a intenção de privatizar a RTP, o que desagradou a todos nós: os da RTP não querem naturalmente ser privatizados, os da SIC e os da TVI acham com razão que a existência de mais um canal privado lhes vai roubar audiências e publicidade.
3 – Porque, ao contrário de outras alturas, nós também somos directamente afectados por esta política – seja pelo aumento dos impostos, seja pela perda de subsídios, seja pelas ameaças de despedimento.
Ora, enquanto outras classes profissionais têm de protestar na rua (como os polícias) ou fazer greves (como os estivadores), nós, os jornalistas, temos os jornais, as rádios e as TVs para protestarmos.
Para lá de tudo isto, consideramos que o Governo está a arruinar o país, pelo que o seu derrube é uma tarefa patriótica que urge levar a cabo quanto antes.
Um verdadeiro ‘serviço público’.
Nesta medida, não nos consideramos obrigados a ser independentes, nem a ser rigorosos, nem a cumprir o código deontológico.
Achamos que todas as armas são legítimas para fazer cair um Governo ilegítimo.
Consideramos que, neste caso, os meios justificam os fins.
Exultamos ao ouvir Mário Soares dizer que é preciso correr com esta gente quanto antes – e temos um especial gozo em pô-lo a abrir os telejornais.
Pensamos que isso só nos fica bem.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António