71 anos

Vasco Pulido Valente
Público 23/11/2012

Fiz, quarta-feira, anteontem, 71 anos. E naturalmente, não sem uma certa perversidade, comecei a pensar no mundo em que entrei. Em 21 de Novembro de 1941, Hitler ocupava a Áustria, a Eslováquia, a República Checa, a Polónia, a Dinamarca, a Noruega, a Holanda, a Luxemburgo, a Bélgica, a França, a Jugoslávia (como na época existia), a Grécia e grande parte da Roménia. As tropas da Wehrmacht estavam a 60 quilómetros de Moscovo e os blindados de Guderian a menos de 30 quilómetros. Na Europa inteira, só os "neutros" tinham escapado e a neutralidade da Espanha, de Portugal e da Suíça era arriscada e mais do que duvidosa. O mundo não servia para se começar a vida. Bem sei que por aqui a classe média (mas não a grande massa do povo) vivia como a dra. Jonet (sem ofensa) acha que se devia viver hoje.
Hitler e o nazismo acabaram, sem que a maioria dos portugueses desse verdadeiramente pelo perigo por que haviam passado. Pouco a pouco a extrema pobreza e a fome real, do país, de que a gente com os meus privilégios se ralara pouco, foram lentamente desparecendo. A partir de 1950-1968, sem ser um exemplo, Portugal acabou por se tornar um sítio, por assim dizer, tolerável para o Ocidente e para a boa consciência da esquerda europeia. Claro que os bem-pensantes condenavam a Ditadura, mas vinham sossegados para o Algarve. O abrandamento dos costumes (de natureza sexual, claro), a nova mobilidade do automóvel económico e barato e o dinheiro que a Europa e Caetano, prudentemente, espalhavam criaram uma espécie de esperança a que as pessoas se resignaram.
Veio então a democracia e a esperança de uma situação decente (mesmo esquecendo as ridículas extravagâncias do PREC). Mas Portugal, com ou sem fundos de Bruxelas, não se podia tornar numa espécie rara com os salários da Alemanha, o Estado social da Inglaterra e a fiscalidade italiana. Só que, durante 20 anos, vários partidos políticos, vários presidentes da República e vários governos não hesitaram em alimentar esta mortal mentira e os portugueses com a credulidade da miséria acreditaram nela. É triste, ao fim de tanto tempo, chegar ao desespero a que nós chegámos. Mas, depois de 71 anos, talvez seja melhor do que nascer com a sombra de Hitler a 60 quilómetros de Moscovo. Portugal precisa de sair do seu isolamento e da sua complacência. E, agora, por uma vez, não tem outro remédio.

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