Unanimidade?!


José Maria C. S. André 
«Correio dos Açores» / «Verdadeiro Olhar», 2 de Março de 2014

A notícia tem poucas horas, no momento em que escrevo (27 de Fevereiro de 2014). 
Bento XVI recebeu uma carta do jornalista Andrea Tornielli e respondeu-lhe, na volta do correio, para deixar claras duas coisas.
Primeiro. «Não existe dúvida absolutamente nenhuma acerca da validade da minha renúncia ao ministério petrino» e as especulações são «totalmente absurdas». O Papa não foi obrigado a demitir-se, nem o fez em resultado de quaisquer manobras.

Segundo. A renúncia é válida e não existe hoje na Igreja nenhum governo a dois. Há um Papa reinante, no pleno exercício das suas funções, Francisco, e um emérito, cujo «único e último objectivo» dos seus dias é rezar pelo seu sucessor.
O que se tem dito, acerca de rupturas e divergências dentro da Igreja! Opondo os dois Papas! Inclusivamente, pontos essenciais da doutrina estariam a mudar!
Nas últimas semanas, Bento XVI teve algumas iniciativas curiosas. Manifestou, a várias pessoas que o visitaram, a sua plena sintonia com o Papa Francisco. Depois, quis que se divulgasse um parágrafo de uma carta pessoal que tinha escrito há dias (dirigida a Hans Küng): «Tenho a alegria de que me liga ao Papa Francisco uma grande identidade de pontos de vista e uma amizade do fundo do coração. Vejo que neste momento a minha única e última missão é sustentar o seu Pontificado com a oração».
Ao retirar-se, Bento XVI tinha dito: «não volto a uma vida privada, a uma vida de viagens, encontros, visitas, conferências, etc. (…) Permaneço de um modo novo junto do Senhor Crucificado. Já não exerço o cargo de governo da Igreja, mas fico, por assim dizer, no recinto de S. Pedro no serviço da oração».
As notícias de que as posições do Papa Francisco em relação ao aborto e à família estão em ruptura flagrante com a doutrina anterior já apareceram tantas vezes que até parecem uma observação consensual. O Pe. Frank Pavone, provavelmente a voz mais conhecida da Igreja a defender a vida humana, é contactado por imensa gente, alarmada e confusa acerca das posições do Papa Francisco. Então a Igreja mudou?! Quando ele recebeu a primeira vaga destas perguntas angustiadas, por «email» e SMS, o Pe. Pavone estava a jantar com o Papa Francisco. A Santa Sé tinha-o convidado para dar uma conferência sobre a defesa da vida dos bebés ainda não nascidos e o Papa quis manifestar-lhe o apoio, falar com ele e convidou-o para jantar. Esta é só uma das histórias divertidas do Pe. Pavone com o Papa, mas parece-me bastante expressiva.
Aliás, o Pe. Pavone acha que a mensagem do Papa Francisco acerta em cheio. O mais importante é compreendermos que Deus nos ama – e não deixa de amar quando fazemos o mal – e deseja perdoar-nos, mal nos arrependemos. E, depois, as histórias do Pe. Pavone com o Papa Francisco falam por si.
Alguns dizem que o Concílio Vaticano II marcou a ruptura com os tempos de Pio XII e eu divirto-me a contar as vezes que o Concílio cita Pio XII. Parece que ninguém reparou que ele é recordista entre os autores citados.
Alguns fazem a história dos enfrentamentos que ocorreram durante o Concílio. Por exemplo, o celibato dos padres teve 2400 votos contra 4. Não é uma votação por 90%. Nem por 99%. A máquina de calcular diz-me que é um pouco mais de 99,8%. Isto não chama a atenção de ninguém?
Numa coisa concordo. Não se compreende que a história da Igreja seja a história de uma unanimidade tão ininterrupta, ao longo de mais de vinte séculos. Onde é que já se viu uma fidelidade tão grande? Seria o maior milagre feito por Deus!

No dia 22, o Papa Francisco celebrou o primeiro consistório do seu pontificado, em que nomeou 19 cardeais, na presença do Papa emérito Bento XVI.

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