A tragédia do socialismo do século XXI


Alexandre Homem Cristo
ionline, 2014.03.03
O fracasso da "revolução bolivariana" é uma boa forma de recordar que o socialismo utópico do século XXI é tão nefasto quanto o do século XX
O regime nascido da revolução bolivariana faliu. Algum dia tinha de acontecer. Até porque, como se costuma dizer, a história é repetição. Na Venezuela repetiu-se mesmo. Assim, o ano de 2014 marca o fim das ilusões. As dos venezuelanos, que durante mais de uma década se deixaram governar pelo populismo de Chávez. E as dos socialistas europeus, que viram no regime venezuelano um oásis de resistência contra a economia de mercado. Com fome nas ruas, com escassez de bens de primeira necessidade nas mercearias, com falta de medicamentos e com falhas sucessivas na rede eléctrica, o povo saiu à rua. E disse basta.
Associar a falência do regime venezuelano à substituição de Hugo Chávez por Nicolás Maduro, nomeadamente pela falta de carisma do segundo, é um erro grave. Subestima a degradação social e política dos últimos anos. É que, embora tenha morrido com o estatuto de herói popular, foi Chávez quem trilhou o caminho para a ruína. Atropelou as regras institucionais do regime, tornando-o dependente na sua pessoa. Estrangulou a iniciativa privada. E apostou cegamente num modelo de investimento público insustentável, suspenso numa produção petrolífera em declínio. Quando chegou a sua vez, Maduro deu continuidade ao delírio. E fê-lo com uma obstinação invejável. Mal assumiu a presidência, em substituição de Chávez, Maduro ordenou ao banco central a impressão de mais dinheiro, para com ele financiar novos programas de investimento público. Entre outros, o da atribuição de um tablet a cada aluno venezuelano. A inflação atingiu os 56%.
Entretanto, acabou com a liberdade política, impondo uma forma de ditadura (suspensão da Constituição): o parlamento concedeu-lhe poderes executivos especiais para alterar leis sem fiscalização política. Acabou com a (pouca) liberdade económica: promulgou uma lei que define os preços dos produtos e limita o lucro das empresas, prendendo os comerciantes que resistissem. E acabou com a liberdade individual, através de uma crescente repressão policial e militar, que provocou dezenas de mortes, para assim travar aqueles que "querem destruir a nação".
É claro que, perante este descalabro político e social na Venezuela, podemos fechar os olhos. Ou acreditar que a resistência nas ruas não é de origem popular, mas sim de "grupos de cariz neofascista". Ou achar que essas manifestações são operações "apoiadas pelo imperialismo norte-americano". Ou ainda alegar que o governo venezuelano está a ser alvo de uma "guerra económica que visa destabilizar o país". No fundo, podemos subscrever o incrível comunicado do PCP (14/02/2014) e, através dele, negar a realidade. Mas a realidade é o que é. E a história, que se repete, já mostrou que negá-la não a altera.
A distante Venezuela está a ferro e fogo. E isso interessa-nos a nós, portugueses? Sim, interessa. Num momento em que tanto se discutem alternativas políticas, em Portugal e na Europa, o fracasso da "revolução bolivariana" na Venezuela é uma boa forma de recordar que o socialismo utópico do século xxi é tão nefasto para as populações quanto o do século xx. Confiar que é nessa doutrina ideológica, partilhada em Portugal por PCP e BE, que está o futuro não é, portanto, mais do que condenar-nos ao passado

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