Holocausto rural


ALBERTO GONÇALVES | DN 2014.03.09

O anterior procurador-geral da República afirmou a uma rádio da Guarda: "Fecha tudo, as finanças, fecha o banco, fecha tal. Era melhor proibirem populações que tiverem menos do que xis, fecharem-nas à força, como fazia antigamente o regime nazi." Pouco depois, o pedacinho do País que repara nestas coisas indignava-se (ou, de acordo com a perspectiva e os interesses, concordava) com o facto de o Dr. Pinto Monteiro acusar o Governo de criar guetos e comparar o Governo ao Terceiro Reich. Por mim, que confesso não ter grande respeito pela personalidade em questão, confesso não perceber o escândalo.
A escandalizarmo-nos, deveria ser com o nível da retórica do Dr. Pinto Monteiro, aliás típico do nosso sistema jurídico e que em última instância torna ininteligíveis as declarações acima. Os governos são responsáveis pelo fecho de agências bancárias? O encerramento da misteriosa entidade "tal" é assim tão prejudicial para os cidadãos? "Proibir populações" significa exterminá-las? "Fechar à força" as populações do interior não é justamente o oposto do êxodo para o litoral urbano que a extinção de serviços suscita?
Com imensa boa vontade, podemos fingir compreender (embora não necessariamente subscrever) o conteúdo do desabafo do Dr. Pinto Monteiro da seguinte maneira: o Estado retira-se das zonas rurais e estas vêem-se crescentemente isoladas, o que é mau. Pinto, perdão, ponto final. O resto é apenas a cedência à velha Reductio ad Hitlerum, recurso que infecta metade das discussões políticas caseiras e não espanta ninguém. Quem leu dois ou três livros desconfia que a supressão de uma dúzia de tribunais e de meia dúzia de repartições das Finanças não era a principal, nem talvez a mais grave, característica do nacional-socialismo. Se me permitissem a escolha, ainda preferiria o fecho de câmaras municipais à abertura de câmaras de gás. Mas isso sou eu, que não acho a Sra. Merkel o equivalente contemporâneo das SS.
Em Portugal, porém, o normal é isto. Em Portugal, o normal é dizer-se as enormidades reproduzidas pelo Dr. Pinto Monteiro, que por acaso nasceu numa aldeia de Almeida, na Beira Alta e, aposto, reside em Lisboa ou nos arredores. A menos que Hitler intervenha, a demografia depende menos dos governos do que das pessoas.

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