O jardim-de-infância dos meus filhos


Inês Teotónio Pereira
Ionline, 2014.03.08
Ninguém levantava a voz, mas quando era preciso a criançada era posta na ordem

As crianças passam a maior parte das suas vidas em escolas e creches e quanto mais pequenas mais tempo passam nas creches e nas escolas. Se virmos bem, tirando os fins-de-semana e as férias, elas só vão a casa comer, tomar banho, ver televisão e dormir. Ou seja, as creches são muitas vezes as primeiras casas dos nossos filhos.
A primeira vez que entrei numa creche para deixar o meu filho com dois anos foi um momento inesquecível: dezenas de crianças do mesmo tamanho (grande parte delas a chorar) e divididas por salas que iam dos meses de idade aos cinco anos. O meu filho lá ficou, a chorar, e eu fui trabalhar com uma nuvem em cima da cabeça. Quando voltei para o ir buscar disseram-me que ele tinha parado de chorado passado pouco tempo de o ter abandonado, que tinha feito cocó duas vezes, que tinha comido bem e que também tinha feito uma sesta razoável. Um dia ele deixou finalmente de chorar e entregou-se ao destino. A creche tinha imensas crianças, imensas regras e imensos horários. Nós, pais, sabíamos pouco do que ali se passava porque não podíamos entrar na escola sempre que nos apetecia ou sem razão. O relato era feito de tempos a tempos pela educadora, que nos ia informando da evolução nas necessidades orgânicas da criança e pouco mais e a avaliação versava sobre coisas como o desembaraço da criança a apertar os sapatos. Era à confiança. Era tudo uma questão de confiança. Toda a gente me tratava por "mãe" e para conversas mais prolongadas ou detalhadas marcava-se uma reunião. Fui infeliz naquela creche. Apesar de ser uma excelente creche, com excelentes instalações, educadoras com óptimos currículos e regras imbatíveis.
Até que descobri outra creche. Nesta creche havia a sala de cima e a sala de baixo. Depois havia a oficina, bicicletas sem pedais e com pedais, a cozinha, dois coelhos, pintos, duas árvores a que se podia trepar e até areia. Ninguém me chamava "mãe", tratavam-me todos pelo nome e ao meu filho tratavam pela alcunha. A natureza das actividades variava: se estivesse bom tempo iam à praça, iam à serra, iam à praia, pisavam uvas, iam ao parque dos baloiços, e se estivesse a chover faziam bolos e bolachas, teatros, desenhos, o jogo das cadeiras e até havia o dia ao contrário: as crianças iam de pijama para escola e começavam o almoço pela sobremesa. No arraial do final do ano saltávamos todos à fogueira. Cada um punha o seu lugar à mesa e só aos cinco anos é que começavam a fazer fichas. Faziam os desenhos e as brincadeiras mais incríveis e por cada obstáculo que conseguiam ultrapassar (subir a uma árvore ou andar de bicicleta, por exemplo) organizava-se uma festa. No Natal éramos nós, pais, quem fazíamos figura de parvos no teatro. Ali não havia regras imbatíveis e todos eram disciplinados. Ninguém levantava a voz mas quando era preciso a criançada era posta na ordem.
Os meus filhos andaram lá todos e chegavam mesmo a chorar quando não iam ao jardim infantil ou quando os iam buscar. Eu entrava lá sempre que queria e conhecia os pais e os avós da criançada toda. Este jardim-infantil ajudou-me a educar os meus filhos. Não os educou por mim nem os entreteve por mim. Ajudou-me a educá-los e a fazer com que cada dia que eles ali passaram fosse um dia feliz. E foram. Todos. Nunca conheci nada parecido com O Pinhão, mas acho que todas as crianças deviam ter direito a passar mais de metade da sua infância em sítios assim. Em que se dá mais importância à brincadeira e à auto-estima de cada um deles do que ao desembaraço a fazer os laços dos sapatos ou às fichas de ortografia. É que até aos cinco anos, meus senhores, as crianças deviam passar os dias a brincar e pouco mais

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