E que tal reestruturar as reformas das 70 personalidades?


Henrique Raposo
Expresso,  Quinta feira, 13 de março de 2014

Sobre o aspecto económico da reestruturação da dívida, João Vieira Pereira  e José Gomes Ferreira  já disseram tudo. Mas sobram pontos políticos e morais para debater. Sim, morais. Em primeiro lugar, convém recordar que estas personalidades são a causa do problema, representam a elite e a forma de pensar que nos levaram à bancarrota. Qual é a sua autoridade? A autoridade do "respeitinho" pelos mais velhos só porque são mais velhos? Não, obrigado. Em segundo lugar, causa-me muita comichão o timing do manifesto. Por que razão esperaram pelo momento em que os juros da dívida baixaram para níveis normais? Por que razão esperaram pela retoma económica, retoma, essa, que já anulou a tal "espiral recessiva" que as 70 personalidades não paravam de invocar? Porquê? Porque têm medo que a austeridade funcione, porque estão, mais uma vez, a proteger as suas reformas em detrimento do interesse colectivo. 
 Antes de qualquer reestruturação da dívida, nós temos de reestruturar as pensões e a restante despesa do estado. Porque é essa despesa que depois exige a emissão de dívida. Parece-me idiota atacarmos o efeito sem antes atacarmos a causa. Portanto, o grande debate da sociedade portuguesa só pode ser a renegociação do contrato entre gerações, uma renegociação que implicará sempre uma reestruturação das pensões mais altas. Com o actual (e futuro) cenário demográfico, a manutenção desta segurança social é insustentável e, acima de tudo, injusto para os mais novos. Repare-se na amoralidade intrínseca do sistema: as reformas das pessoas que assinaram o manifesto foram calculadas em redor dos 90% ou mais sobre o último salário; neste momento, um cinquentão sabe que a sua reforma só terá como base 55% do último salário . E eu? Eu não sei nada. Quem tem 30 ou 40 anos simplesmente não sabe como será calculada a sua reforma. E os nossos filhos? É como se não existissem, os seus interesses simplesmente não são reconhecidos por um sistema que só beneficia objectivamente quem já tem reforma. Ora, até acho bem que os senadores dourados protejam os seus interesses e a - suposta - intocabilidade das reformas. O problema é que esta visão parcial e interessada é apresentada como se fosse a verdade revelada, a verdade com o monopólio da virtude. Não só não é verdade (porque ignora factos óbvios ), como não tem qualquer monopólio da moralidade.
Para terminar, vale a pena repetir: eu tenho a obrigação fiscal de continuar a suportar uma segurança social que nunca protegerá a minha velhice. Repito: é minha obrigação fiscal. Mas deixem-me sublinhar: é fiscal, é fisco, não me venham com o lero-lero do "sistema contributivo", porque eu não vou ver o dinheiro que já descontei e que vou continuar a descontar. Sim, devo continuar a pagar as reformas da Dr. Ferreira Leite e do Dr. Cravinho, o sr. Scuts. Mas, em troca, exijo duas coisas: respeito (parem de me chamar idiota com a conversa do "sistema contributivo") e um corte estrutural nas reformas, um corte que permita a redução da minha contribuição para a segurança social. Porquê? Porque tenho de fazer o meu PPR à parte, porque tenho de criar filhos, essas criaturas que - se nada mudar - ainda vão pagar as reformas dos Barões Félix quando começarem a trabalhar lá por 2030. 

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