Educar em coligação


Inês Teotónio Pereira
ionline, 2014-03-15
Para evitar a anarquia é importante que os pais entrem em negociações e cedências permanentes

O grande desafio da educação dos filhos do ponto de vista das mães é que os filhos também são educados pelas pais e o grande desafio da educação dos filhos do ponto de vista dos pais é que os filhos também são educados pelas mães. Raramente um dos pais tem o poder absoluto. Qualquer pai é obrigado a educar em coligação, o que força necessariamente a acordos, negociações, cedências, discussões, amuos ou divergências profundas. Na educação, o acordo entre as partes é fundamental ou a criança desgoverna-se, o governo cai, a anarquia instala-se e não há manifesto, mesmo que sejam 700 os anciãos subscritores, que meta ordem na casa.
O principal fado dos pais é mesmo este: negociações permanentes. Começa logo com o nome. A escolha do nome é quase a mesma coisa que a escolha do ministro das Finanças num governo de coligação: quem tem mais força foi quem escolheu Vítor Gaspar, por exemplo. Com os pais é a mesma coisa: quem escolhe o nome do primeiro filho está em vantagem. O segundo já é como a escolha do ministro da Economia, por exemplo - é importante, mas pronto, é o segundo.
Mesmo quando não é combinado explicitamente, também entre os pais se distribuem pelouros. Nas regras do estudo manda um e nas regras da televisão manda outro; para dar palmadas há um com mais aptidão, mas para neutralizar as birras recorre-se ao mais pacífico; nas conversas sobre temas existenciais, depende dos temas; quando é para mandar para a cama, há sempre um que tem a palavra final e para as doenças há o pai que fala com o médico de forma racional e o outro encarregado dos mimos; também no que toca à generosidade há o mãos- -largas e o forreta.
Se cada um souber o seu lugar e se estiverem os dois dispostos a ceder e a negociar, a criança lá vai sendo educada; se não souberem, a criança prepara motins diários e a principal missão dos pais deixa de ser educar e passa a ser a manutenção da ordem doméstica. Instala-se o estado de sítio, portanto.
Ora para evitar a anarquia é por isso importante que os pais entrem em negociações e cedências permanentes. Estafante, é verdade, mas numa coligação nada é fácil.
Quando os pais discutem sobre os seus pelouros, ou seja, quando o pai das regras do estudo quer proibir a criança de jogar computador porque ela teve negativa a Matemática e outro está contra, os pais entram em conversações. E o melhor é fazer como os ministros que se fecham em Conselho de Ministros e só sai cá para fora o que interessa que se saiba. Também os pais devem conversar à porta fechada até chegarem a um entendimento e só depois comunicar à criança se ela pode ou não jogar computador apesar da negativa a Matemática. É fundamental que a criança não assista à discussão, porque se a decisão for em seu desfavor ela vai fazer tudo por tudo para denunciar o acordo alcançado usando os argumentos que a mãe ou o pai usaram em seu favor. E está tudo estragado. Deixar uma criança assistir a uma negociação entre os pais é a mesma coisa que um governo deixar a CGTP ou a comunicação social assistir a um Conselho de Ministros em que se discute o corte das pensões. É convidar o caos.
Os pais, ao contrário dos governos, não podem ser demitidos, demitir-se, romper coligações e nunca vão a eleições. Por isso, educar filhos é trabalhar em permanente coligação apesar das contestações, das birras e das tendências de cada um. É que nas famílias os pais não caem, quem cai são os filhos. A alternativa é fazer como eu: encontrar um marido que é um pai carismático, daqueles que raramente se enganam, nunca têm dúvidas mas confiam na sogra.

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