Deu o grande badagaio ao meu elevador
Jorge Fiel | JN 2014.03.23
Já lhe tinham dado uns fanicos, mas nada que não se resolvesse num dia ou dois, com a substituição de uma peça. O pior foi o grande badagaio, a 27 de dezembro. Tive de desconvidar a minha tia Niza de passar o ano lá em casa, por temer que os joelhos e o coração dela não aguentassem a escalada a pé dos 81 degraus.
Vivo num andar de um edifício do início dos anos 60, servido por um único elevador, cujo morreu, como já devem ter adivinhado. A cablagem ardeu toda. Ainda cheirava a queimado quando cheguei à noite a casa. Um elevador novo tem que se lhe diga. As peças vieram da Suíça. Só agora o estão a montar. Há esperanças que fique pronto para a semana. Passamos o inverno a fazer step. Para já não falar no preço, que dava para irmos todos a Nova Iorque.
Mas não estou aqui para me queixar. Subir escadas é bom para a saúde. Cheguei à primavera mais ágil do que quando entrei no inverno, e ainda por cima vivo, ao contrário do Stieg Larsson que foi desta para melhor na subida de sete lances de escada até ao escritório. A avaria do elevador sueco privou-nos dos sete livros da saga Millennium que ele tinha na cabeça.
Não estou aqui para me queixar, apenas para chamar a atenção para os luxos de que usufruímos no dia a dia e que só valorizamos quando nos vemos privados deles. Subir os 81 degraus de mãos a abanar é saudável, mas é incómodo quando levamos as compras pesadas, como os pacotes de leite.
Só damos valor ao milagre que é chegar à noite a casa, pressionar o interruptor e fazer-se luz, quando falta a energia (o que é raríssimo), o frigorífico começa a descongelar e os alimentos que lá estão a estragar-se, não podemos ler, ouvir música ou ver televisão, e temos de andar de vela ou lanterna.
Só damos valor ao luxo que é abrirmos a torneira e sair de lá água boa para beber quando falta a água (o que é raríssimo), a louça suja começa a acumular-se, ficamos privados do banho e é o cabo dos trabalhos para manter a sanita limpa.
O disfuncional Homer Simpson diz que não bebe água porque os peixes fazem sexo nela, esquecendo-se que a cerveja que ele emborca em quantidades industriais é 95% água.
A água é um recurso fundamental para a vida (sabia que são precisos em média 40 litros de água para fabricar um pão?), cuja importância nós negligenciamos porque somos uns felizardos que a temos sempre à mão, com abundância e excelente qualidade (sabia que metade dos 16 milhões de angolanos não têm acesso a água potável canalizada?).
A água é um recurso escasso, ao ponto da ONU advertir que as próximas guerras serão por causa de disputas de água e não de petróleo. Por isso temos todos de aprender a respeitá-la, dar-lhe bom uso e não a desperdiçar. Calcula-se que em média gastamos 150 litros/dia, quando metade desse consumo seria suficiente. Um duche de cinco minutos (30 litros de água) substitui com vantagem um banho de imersão (80 litros de água). Que tal fechar a torneira enquanto está a escovar os dentes ou a ensaboar as mãos?
E já agora alguém me sabe explicar por que é que ainda não foi inventado um sistema que recicle a água do lavatório e do banho, aproveitando-a para as descargas do autoclismo?
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