Ordem para matar?
Família cristã Quarta-Feira, 19 Março 2014
O Grupo Pais 21 – pais de crianças portadoras de Trissomia 21 – denuncia «pressões brutais» por parte de alguns médicos para se proceder à interrupção da gravidez nesses casos. Acusa que a informação é muitas vezes transmitida apenas na perspetiva negativa – e que a esmagadora maioria dos pais aborta por desconhecimento. Quem somos nós para julgar quem deve viver e quem deve morrer? – é uma questão levantada pelo Grupo Pais 21.
A FAMÍLIA CRISTÃ revela este mês testemunhos de pais que se sentiram pressionados por médicos a abortar filhos com esta deficiência.
«São um casal novo, é melhor tirar, porque não vão ter dificuldades em engravidar, têm possibilidades de ter outro filho. É um fardo muito pesado para carregarem.»
«Sabe que isto vai ser um peso para toda a sua vida, nem sabe o trabalho que lhe vai dar.»
«Meus queridos, o diagnóstico de T21 requer sempre uma interrupção da gravidez. Eu já trabalho há muitos anos no bloco operatório e só me recordo de uma família que não interrompeu mas, coitados, era gente sem informação. Façam o seguinte: marquem a interrupção, marquem umas férias logo a seguir e vão ver que quando chegarem já tudo é muito diferente.»
Eis algumas frases proferidas por médicos e enfermeiros que baralharam os pensamentos, palavras, atos e emoções destes pais. Depois de procurarem a informação sobre a deficiência decidiram em consciência aceitar a vinda de um filho diferente.
«Fizeram-nos perceber que, junto de alguma classe médica, o ser humano se não for perfeito, seja lá isso o que for, é realmente descartável. Sentimos falta de respeito para connosco, pois apesar do que lhes dizíamos, aparentemente, acreditavam que podiam decidir por nós. Se pensarmos que, na nossa sociedade, se valoriza muito a opinião do senhor doutor, e se nos lembrarmos que o acesso à informação não é igual para todos, compreendemos o porquê de tanta gente "optar" pela interrupção da gravidez», conta uma mãe à FAMÍLIA CRISTÃ.
É mais fácil os pais aceitarem um filho especial quando estão esclarecidos sobre a deficiência. Para que haja maior acesso à informação, o Grupo Pais 21 apresenta este mês uma novidade: «Estamos a preparar um kit com uma série de informações disponíveis para todos os pais que têm bebés com T21 (os primeiros passos a dar com estes bebés e os nossos contactos). Vamos contactar diretamente as maternidades e os hospitais para que nos informem sempre que nasce um bebé com T21 ou quando há esse conhecimento através do Diagnóstico Pré-Natal», explica Carmo Teixeira, 51 anos, uma das responsáveis do Grupo Pais 21.
Para esta mãe, as pessoas «têm o direito a ter o outro lado da informação». «Hoje em dia há uma pressão brutal do lado dos médicos para as pessoas fazerem a interrupção da gravidez e achamos que muitas o fazem, porque não têm sequer acesso a contactarem outras pessoas que não tenham essa opinião», acrescenta.
Miguel Palha, pediatra do desenvolvimento, fundador da Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21 (APPT21) e diretor clínico do Centro de Desenvolvimento Infantil Diferenças, relata posturas dos médicos que vão desde as «reações mais corretas no não-envolvimento na decisão até à proposta imediata do aborto». A mais chocante foi a de um pediatra que disse a uma mãe: «O seu bebé tem T21 e a culpa é da senhora. Com a sua idade já devia ter feito a amniocentese.»
Este médico, que também é pai de uma jovem de 27 anos com T21, constata que há cada vez menos pessoas no nosso país com esta deficiência: «Curiosamente, na Holanda, Inglaterra e Estados Unidos a diminuição é muito ligeira; em Portugal e nos países do Sul, há uma diminuição abrupta.»
O coordenador da Unidade de Citogenética do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Hildeberto Correia, diz que é «provável» que nasçam menos bebés com esta deficiência, «porque tem aumentado o número de testes disponíveis para rastreio de Síndrome de Down, logo a taxa de deteção aumentará e, consequentemente, será maior o número de gestantes que irão optar pela Interrupção Médica da Gravidez (IMG)». Numa estimativa possível baseada na experiência do INSA nascem «cerca de 10-15 crianças com esta síndrome, por ano, em Portugal».
Miguel Palha fala num «primado da qualidade de vida sobre a própria vida – é um novo valor estranho». Este médico sublinha que quando os pais descobrem «a pessoa» por detrás daquele filho, valorizam a diferença: «A descoberta é um caminho. É por isso que não devemos eliminar pessoas – as pessoas descobrem-se.»
Leia o artigo na íntegra na edição de março da revista FAMÍLIA CRISTÃ.
Sílvia Júlio
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