Intrujices de entrudo
Saragoça da Mata, ionline 2014-03-07
"Continuamos, na gestão da administração pública, como temos estado na redução dos custos do Estado... Enfim, mais uma intrujice de entrudo!"
Lisboa, terça-feira, 4 de Março de 2014, nove da manhã.
Abro a porta de casa e deparo-me com uma rua vazia. Volto à direita e a artéria maior que se abre sobre o Tejo está a menos de meio gás. Carros poucos. Um autocarro parece o Holandês Voador. Tem ao leme um motorista sonâmbulo que conduz três passageiros mortos-vivos espalhados pelos assentos. Alguns passos adiante a praça está povoada por meia dúzia de transeuntes. As pombas dormem também. Nem um polícia, nem varredores de ruas, nada! Nem aos domingos pela manhã estas paragens estão tão desoladas.
Quando olho para a pastelaria onde diariamente dejejuo, o espanto é ainda maior: mesas quase vazias. Percorro--as com o olhar. Os ocupantes são invariavelmente turistas. E turistas estrangeiros, que os nacionais que vêm à capital em passeio hoje também estão ausentes. Ao balcão igual desalento: dezenas de croissants, croquetes, empadas, pães de dúzias de variedades aguardam ansiosamente os dentes dos clientes do costume. Parece que hoje não se realizarão. Os empregados, normalmente escassos, amontoam-se sem ter que fazer, discorrendo sobre o tema que é ópio nacional. Na falta de freguesia, o tema é o futebol.
Penso duas ou três vezes porque raio os lisboetas que vivificam o meu bairro pelas manhãs, seja de semana, seja em dias festivos, haviam todos desaparecido. Um dos garçons chama-me à realidade: é terça-feira gorda! Está tudo de feriado. Como é óbvio.
Com o mau génio que caracteriza o meu despertar praguejei interiormente. Este povo terá sido seguramente a verdadeira fonte de inspiração da filosofia política romana do pão e do circo.
Em viagem pelo meio da cidade o espanto é cada vez maior. Não era só o meu bairro a estar abandonado. Toda a cidade estava adormecida. Os parques de estacionamento vazios, as paragens de autocarro desabitadas, as principais artérias da cidade a lembrar cenas de suspense de westerns de quinta.
Quando entrei no escritório, e apesar de ter uma equipa claramente votada ao trabalho acima de tudo, não pude deixar de perceber a tristeza por terem "uma direcção" tão pouco flexível ao imperativos da diversão carnavalesca.
E foi aí que me desvelaram o cenário nacional. Apesar da decisão governamental no sentido de o Carnaval não ser feriado, a banca havia encerrado e as seguradoras também. As autarquias locais, as lojas do cidadão, os correios e a maioria esmagadora dos serviços da administração central do Estado ou estavam fechados ou tinham metade ou um terço dos funcionários ao serviço. Imaginei logo como estariam os ninhos da política nacional...
Perante isso, fiz o teste final e... Oh quanta espécies! Até no topo das hierarquias tinha havido uma discreta tolerância de ponto. Afinal continuamos, na gestão da administração pública, como temos estado na redução dos custos do Estado... vale a velha e boa política do Marquês de Pombal do "para inglês ver"! Com a agravante de hoje ser também a política do "para alguns otários sustentarem". Enfim, mais uma intrujice de entrudo!
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