Morreu ontem, o Luís...

Fátima Pinheiro
Expresso, Terça, 11 Fev

Era já depois das oito. O telefone toca. Era o meu Alexandre. Pensei que vinha cá jantar. Mas a voz era diferente. "Então estás bem?". "Sim...não", a resposta. Fiquei a esperar o resto. Achei logo estranho, porque quando ele telefona tem uma voz diferente. "Não sabe a notícia, tia?". "O que foi?!!" E como quem tem entre as mãos uma bomba, ou um segredo, não sei, dispara mansinho: "O Luís. O Luís morreu." Quem conhece esta "lata" sabe que escrevo sobre o que me interessa ou sobre o que me acontece. Eu também conheço alguns dos que por aqui me lêem ou comentam. Alguns perguntarão hoje: onde está esse teu Deus Bom? Que boa pergunta. E a resposta é ainda melhor, porque não sou eu que a dou. Tem isto a ver com a disputa agora entre Portas e Gaspar? Tem.
Pode morrer- se aos 29 anos? Pode. Durante a noite, sem "ninguém" dar por isso e estarmos a esperá-lo, como de costume, para o pequeno almoço, e ele nunca mais aparecer? Sim.
O que vale é que sei que "passou desta para melhor". Acredito. A fé não tira a dor, mas sim ainda nos dá mais energia para não nos esquecermos d' Aquele que "faz" cada batida do meu coração. Fé? É pedir, pedir, pedir, mendigar o sentido das nossas vidas. Não se percebe? Ainda bem porque assim a vida é esta curiosidade imparável. Luis: "tu não podes morres", diria Gabriel Marcel. Porque amar uma pessoa é ter a certeza que ela é feita para "mais" do que para uma correria a olhar o nada. Só assim a vida vai fazendo sentido. Caso contrário, era só escolher um penhasco ou uma boa janela e zás. E por que continuo a caminhar cada dia?
Há quem opte por "curtir" ou gozar e esquecer. Às vezes também o faço. E o sabor amargo que fica depois, e às vezes até "durante"? O anúncio daquele sabor amargo de que se aprende a gostar, não encaixa aqui. O mais fundo do meu desejo humano sabe que é feito para o doce. Procurar, procurar, procurar. Com tudo e em todos. Como o doçe Luis que parece que "acabou", mas está agora mais presente e potente que nunca.
Disse ontem um amigo que temos comum: "fico com a certeza que passámos a ter um bom Amigo no Céu...! Com Jesus dentro de nós... os jovens que partem ficam a tomar conta de nós! Não interessa se somos mais velhos! Mas fica também no nosso coração um grande aperto! "
A vida é alegria, mas tem esta face de dor. Mas como pode sê-lo? Ele está no céu porque era um miúdo que se dava todo a todos, como se diz "foi desta para melhor". É preciso fé. Só quem a pede pode ter a certeza que ele "passou", que Deus o chamou. Isto tem um sentido que nos escapa. Se nós fossemos Deus perceberíamos tudo. Acabam de me dizer no meu Facebook: "Deus não existe porque se existisse não me faria sentir isto; todas as manhãs após o meu despertar me questiono porque é que continuo a acordar."
O céu já começou aqui. É o fundo das coisas, como na beleza da música, a arte mais metafísica de todas porque nos faz pressentir o invisível. Do visível alguém hoje está bem "mais longe" que nós. Sortudo! E cada um tem o "seu" tempo, na Beleza de cada coisa, de cada rosto. E experimento que é muito bom. Enche.
Oiço por ele e por nós - que a música ama tanto - este Jan Garbarek

: "Remember me my dear, /I humbly you require /For my request that loves you best /With faithful heart entire /My heart shall rest within your breast. /Remember me my dear. /Remember me, alas, /And let all rigour pass /That I may prove in you some love". Só falta dizer "assim seja".

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