Um rapaz de 17 já pode trabalhar, um homem de 50 ainda pode recomeçar

Henrique Raposo
Expresso Segunda feira, 31 de março de 2014

Por vezes, fica a impressão de que as sociedades escolhem o suicídio de forma livre e consciente. Portugal tem sido particularmente assíduo neste guichet. Reparem numa coisa: num passado ainda recente, um português podia começar a trabalhar aos 12 ou 13 anos.  Excessivo? Sim. Mas, de repente, passámos do 8 ao 80 e diabolizámos o ensino profissional que dava a chave do mercado de trabalho a jovens de 17 anos que queriam começar cedo a vida adulta. O meu irmão, por exemplo, começou a bulir aos 17 anos e ainda me lembro dos olhares de reprovação. Parecia que só se podia começar a trabalhar aos 25 ou ainda mais tarde. Ora, a sociedade que recusava o início da vida adulta aos 17 era a mesmíssima sociedade que achava bem que as pessoas se reformassem aos 55 ou 60. Em 2012, cerca de 55% dos reformados da função pública tinha menos de 60 anos.
Repare-se na concepção de sociedade que estava aqui em cima da mesa: apenas 30 anos de trabalho entre os 25 e os 55 e a ideia de que a reforma tinha de chegar cedo. Pior: partia-se do pressuposto de que uma pessoa de 50 anos já estava no final da vida activa. Isto talvez fosse verdade na geração dos meus avós, mas hoje em dia é um absurdo. Com os avanços médicos e a evolução social das últimas décadas, a velhice não chega aos 50 anos. Aos 50, o trabalhador pode estar entediado, mas tédio não é doença incapacitante. Como seria de esperar, esta esquizofrenia que adiava a chegada do jovem e que antecipava a saída do entradote teve consequências desastrosas.
Em primeiro lugar, sem acesso a um ensino especializado, centenas de milhares de jovens limitaram-se a "andar por aí" sem qualquer interesse pela escola e, em consequência, acabaram por cair no mercado de trabalho não-especializado. Em segundo lugar, a segurança social e a CGA estão cheias de reformados que ainda estão na casa dos 50 ou 60 anos. Em terceiro lugar, a sociedade passou a considerar que alguém de 40 ou 50 "já é velho" para recomeçar num segundo emprego. E este é talvez o drama maior, um drama que é o acto final do teatro do absurdo: somos uma sociedade envelhecida, não temos crianças, os jovens são e serão cada vez menos mas exigimos que adiem a entrada na vida adulta até aos 25 ou mais, temos centenas de milhares de desempregados entre os 40 e 60 mas ninguém contrata estas pessoas porque são consideradas velhas. Sim, isto é um suicídio em câmara lenta devidamente sublinhado pela banda sonora melada da modernidade.  Estamos a morrer, mas somos moderníssimos. 

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