Na cabeça dos comunistas


ALBERTO GONÇALVES, DN 2014-03-02

Decidido a procurar o apoio entusiástico dos nossos partidos comunistas, por regra ávidos de baderna, aos levantamentos populares na Ucrânia e na Venezuela, fui espreitar os respectivos sites oficiais. Não encontrei apoio nenhum, antes pelo contrário. Curiosamente, as insurgências e as revoluções que tanto excitam PCP e Bloco de Esquerda noutros lugares são alvo de firme condenação nesses lugares em particular. Ao que parece, o povo unido jamais será vencido - excepto se o povo em questão não compreender as virtudes do socialismo ou merecer a simpatia da América, afinal os critérios decisivos para exaltar a fúria das massas ou calá--la a tiro.
O Bloco, através do esquerda.net, ainda finge a equidistância no caso ucraniano. Mas finge muito mal. Por um lado, explica que nem todos os revoltosos são de extrema--direita ou devotos do Ocidente, crimes sem dúvida hediondos; por outro lado, não se esquece de lembrar que a questão é "complexa" e que em ambos os lados há "bárbaros", maçada que nunca acontece nos protestos realizados por exemplo em Wall Street ou na escadaria de São Bento, invariavelmente lineares e perpetrados por activistas generosos.
Já o PCP, evidentemente no Avante!, não perde tempo com meias-medidas e começa logo a tecer comparações entre os acontecimentos de Kiev e os Acordos de Munique (mas não, imaginem, com o Pacto Molotov-Ribbentrop) e a lamentar "o brutal envolvimento e a ingerência do imperialismo na vida da antiga República soviética (sic)". Também não faltam as "forças pró-fascistas e ultranacionalistas", o "terrorismo" e as pérfidas ""assembleias populares", em que não há lugar para os comunistas e todas as vozes dissonantes" (fosse o PCP a promovê-las e seria só ecumenismo).
Sobre a Venezuela, o Bloco insiste na equidistância postiça. A 12 de Fevereiro brinda-nos com um artigo alusivo ao papel dos estudantes na contestação local, a 23 de Fevereiro um segundo artigo nega qualquer insatisfação dos estudantes, aliás deliciados com o bolivarismo: nas ruas de Caracas, apenas berram "as classes médias e altas, além da casta empresarial". Para cúmulo, avisa-se que o líder da oposição venezuelana, Leopoldo López, estudou em Harvard e que a agitação que encabeça é financiada pela Administração Obama.
De novo, o PCP não hesita: as manifestações na Venezuela são obra da "burguesia" e consistem em "manobras desenfreadas de sabotagem económica e desgaste social". É escusado acrescentar que por detrás disto andam os americanos, irritados com a resistência venezuelana ao "imperialismo", proeza que partilha com, cito, "China, Cuba, Vietname, Laos e Coreia do Norte".
A moral da história? Está num parágrafo publicado no esquerda.net: "Neste momento "pós-occupy" [meninos mimados a berrar insultos ao capitalismo], cada vez que vemos protestos nas ruas, começamos a retuitá-los [alusão ao Twitter, uma coisa com que os meninos brincam] e a sentir uma simpatia pela causa, mesmo sem saber qual é o contexto dela [um erro crasso]. Uma vez que analisamos o contexto venezuelano [i.e., ao constatar que aquilo é a enésima tentativa de aniquilar um país pela via socialista], o que vemos é mais uma tentativa, dentro de uma longa história de tentativas, de depor um governo democraticamente eleito." Para o Bloco e, claro, para o PCP, os governos contestados pelo occupy ou lá o que é não foram democraticamente eleitos. Na cabeça dos comunistas, onde não entra nada, nem sequer uma dúvida sincera, a democracia é sempre uma noção peculiar.

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