Eleições na TV
Alexandre Homem Cristo | ionline 2014.03.24
Qualquer opção que passe por restringir a liberdade editorial de privados não é aceitável numa democracia liberal do século XXI
Tudo indica que não haverá cobertura jornalística da campanha para as eleições europeias. Porque os meios de comunicação estão fartos de uma lei eleitoral que deles exige o impossível - um tratamento igualitário entre todos os partidos e candidatos (incluindo aqueles de que nunca se ouviu falar). E porque os partidos não se entendem acerca do sentido da necessária alteração legislativa. De facto, o desafio é complexo. Mas a necessidade de o ultrapassar é também urgente. De resto, há meses que o país anda a discutir a lei eleitoral sobre o tratamento jornalístico das campanhas. Pelos vistos, não foi o suficiente.
Apesar disso, não estamos na mesma. Conhecemos, já, várias propostas partidárias para a resolução do impasse. Uma é dividir a cobertura jornalística entre dois momentos, para que apenas no segundo todos os candidatos tivessem tratamento igual. Outra é exigir esse tratamento igualitário do princípio ao fim. E ainda outra é introduzir coimas simbólicas, de modo a que a lei possa ser violada sem real prejuízo para os meios de comunicação. Ora, surge como claro que nenhuma destas propostas é a ideal. E todas pela mesma razão: já não estamos em 1975.
O problema é óbvio. O espírito de uma lei de 1975 não pode ser o ponto de partida para uma legislação adaptada às exigências dos nossos tempos. E se esse espírito for uma imposição constitucional, então mude-se a Constituição. É que, sobre esta questão em particular, são muitas e importantes as diferenças entre 1975 e 2014.
Primeiro, já não estamos em transição democrática. Em 1975, a democracia não era uma certeza, muito menos o pluralismo estava garantido, o que ajuda a enquadrar as preocupações igualitárias de então. Mas hoje, independentemente das leis eleitorais, a democracia está consolidada e o pluralismo é uma realidade entre os vários meios de comunicação. Segundo, há 40 anos atrás, a televisão resumia-se à RTP. Ou seja, as restrições impostas à liberdade editorial na televisão só se aplicavam à estação do Estado. Hoje, com a entrada dos operadores privados (SIC e TVI), e ainda com os canais por cabo e a internet, que legitimidade tem o Estado para interferir na liberdade editorial de todos esses privados? Manifestamente, nenhuma. E, terceiro, não há qualquer razão democrática para impedir os operadores privados de apoiar uma ou várias candidaturas, durante uma campanha eleitoral. Aliás, em muitos outros países democráticos, essa é uma prática recorrente, sem prejuízo para a qualidade da democracia.
Estas diferenças são importantes porque realçam o contrassenso das propostas que têm sido discutidas. O ponto é este. O princípio da igualdade de acesso das candidaturas à cobertura jornalística é importante para a saúde do regime democrático, mas também o é o princípio da liberdade de imprensa (neste caso, a liberdade editorial). A solução passa, portanto, por torná-los compatíveis e superar o espírito de 1975, que impõe a suspensão do segundo para garantir a existência do primeiro. Se tal não for possível, limitem-se os danos: que seja a RTP (televisão do Estado e com a missão de prestar serviço público) a assegurar esse igualitarismo, vendo suspensa a sua liberdade editorial. Qualquer outra opção, que passe por restringir a liberdade editorial de privados, não é aceitável numa democracia liberal do século XXI.
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