Anunciação

Rainer Maria Rilke
In A vida de Maria, Portugália Editora
Trad.: Maria Teresa Dias Furtado

Não foi por um Anjo ter entrado (faz essa ideia tua)
que ela se sobressaltou. Tão pouco como outras, quando
um raio de sol ou à noite a lua
nos seus quartos se vão instalando,
se sobressaltam, ela não tinha o hábito de se indignar
à vista da figura que um Anjo assumia;
ela mal sabia que este ali ficar
para os Anjos é laborioso. (Oh, se fosse possível saber
como ela era pura. Não foi uma cerva que, a salvo,
deitada na floresta, dela se apercebeu,
equivocando-se de tal modo que concebeu,
sem sequer ser coberta, o Licorne mais alvo
o animal feito de luz, o mais puro de conceber.)
Não por ele entrar, mas por o Anjo inclinar
para ela, tão de perto, o rosto com que vinha anunciar,
tão jovem; e que de ambos o olhar se entrechocasse
quando um no outro se encontrasse,
como se em volta tudo vazio parecesse
e o que milhões de seres olhavam, faziam, suportavam,
nela se concentrasse: ela e ele apenas ali se encontravam;
Olhar e ser olhado; olhos e deleite para a vista
em mais nenhum lugar senão aquele: repara,
isso sobressalta. E o susto de ambos era coisa prevista.
Então entoou o Anjo a sua melodia clara.

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