Verdades incómodas
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN2013-05-27
Existem algumas verdades sobre a crise que muitos tentam esconder. Elas perturbam o mito confortável de que as culpas pertencem a um grupo de malfeitores, quase todos políticos. O melhor é deixar as coisas como estão, pois assim todos podemos considerar-nos vítimas, sem arrependimento ou remorso. Recomenda-se então que não leia o resto deste texto, revelador de factos subversivos.
Os reformados estão hoje entre os críticos mais vociferantes. Mas seria bom que notassem que não descontaram o suficiente para as reformas que agora gozam. Basta uma continha simples para perceber que a contribuição de uma pequena parcela do ordenado nunca permitiria vir a receber um montante quase igual a essa remuneração durante um período quase igual ao do desconto. Isto chama-se "crise da segurança social" e é tema de estudos e debates há décadas.Pode dizer-se que têm direito a receber o que diz a lei, aliás escrita pela geração agora reformada. Mas o que não faz sentido é protestar abespinhado contra o corte como se fosse um roubo dos montantes acumulados. Desde 1974 que o nosso sistema de pensões não é de capitalização, sendo pagas as reformas pelos descontos dos trabalhadores do momento. Quando uma geração concede a si própria benesses superiores ao que pôs de parte, não se deve admirar que mais tarde isso seja cortado, por falta de dinheiro. Se alguém pode dizer-se roubado, não são os actuais pensionistas, mas os nossos filhos e netos, que suportarão as enormes dívidas dos últimos 20 anos, e não apenas na segurança social.
Outro mito cómodo é o que diz que os direitos dos trabalhadores e o Estado social estão a ser desmantelados. De facto, os direitos que a lei pretendeu conceder nunca foram dos trabalhadores, mas de alguns trabalhadores. Muitos empregados no privado nunca tiveram aquilo que agora cortam aos funcionários públicos. Além disso, a percentagem média de contratados a prazo é, desde 1983, quase 18%, ultimamente sempre acima dos 20%. Somando isto aos desempregados, inactivos, clandestinos, etc, vemos a larga privação dos supostos direitos. Os exageros das regulamentações neste campo são só benefícios que um grupo atribuiu a si mesmo. Como isso aumenta os custos do trabalho, prejudica fortemente o crescimento e o emprego, agravando as condições dos mais necessitados.
Quanto ao Estado social, ele teve como principais inimigos aqueles que durante décadas acumularam supostos direitos sem nunca se preocuparem com o respectivo financiamento. Aproveitaram os aplausos como defensores do povo, receberam benefícios durante uns tempos e, ao rebentar a conta, zurzem agora aqueles que limpam a sujidade que eles criaram. Em todos os temas políticos, como no campo ambiental, esquecer a sustentabilidade é atentar contra aquilo mesmo que se diz defender.
Finalmente, no que toca à dívida, é importante considerar que a maior parte não é do Estado. As empresas estão descapitalizadas, as famílias endividadas, os bancos desequilibrados. Todos participámos da loucura dos últimos 20 anos; não apenas os políticos. As maiores responsabilidades são dos dirigentes, mas o povo não foi só vítima inocente de uma festa de que gozou durante décadas.
A culpa até é dos credores, que alimentaram a mesma loucura. Esta é a última verdade incómoda. A nossa dívida, das maiores do mundo, nunca poderá ser paga. Assim, todos os envolvidos terão de suportar algum custo, devendo encontrar-se uma partilha razoável. Mas para isso Portugal não deve fazer de galaró arrogante, repudiando o débito ou exigindo renegociações. Prudente é uma atitude serena e negociada, mostrando que estamos dispostos a assumir culpas e suportar sacrifícios, mas pedindo que se encontre um equilíbrio que, aliviando parte da carga, nos permita limpar o longo disparate e abrir um novo ciclo de progresso e prosperidade que beneficiará tanto credores como devedores.
Estas são algumas verdades do momento. Indiscutíveis, mas incómodas, que muitos preferem ignorar. Por isso foi avisado que não devia ler este texto.
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Guilherme