Giulio Andreotti
D. Nuno Brás
Voz da Verdade, 2013.05.12
Giulio Andreotti parecia resistir a tudo. Desde os anos do pós-II Guerra até aos nossos dias, era um nome incontornável da política italiana e europeia (praticamente durante os 50 anos que durou a sua vida política ativa, foi 7 vezes primeiro-ministro e em muitas outras ocasiões foi ministro de diferentes pastas, dos Negócios Estrangeiros à Cultura).
Conta-se que terá sido Paulo VI, nessa altura um simples monsenhor da Cúria romana, assistente da Ação Católica Universitária italiana, quem entusiasmou o então jovem estudante de Direito a empenhar-se na vida política. Desde esse momento, Andreotti encarnava (juntamente com homens como De Gasperi e Aldo Moro) o que era a democracia cristã italiana no seu melhor: a tentativa de, como cristão, conferir ao seu país um rosto humano.
Acreditava na democracia, nas suas instituições e nos valores que lhe servem de fundamento. Mas sabia igualmente que governar não é querer a todo o custo construir um mundo ideal (isso é o ponto de partida dos ditadores), porque o paraíso apenas existe no céu: durante a história, como seres humanos que somos (e não Deus) cabe-nos antes construir o "possível", com os instrumentos que a democracia coloca ao nosso alcance, em particular aquele da "arte do diálogo".
Como todos os que arriscam estar na vida pública, foi caluniado. Dele disseram o pior que havia a dizer. Muitos dos jornais de uma clara linha de esquerda caricaturavam-no como "Belzebu"; os juízes italianos moveram-lhe um longo processo, acusando-o de pactuar com a Máfia, de que se defendeu com as únicas armas do Direito, e de que saiu ileso e absolvido, após vários anos de sofrida batalha; ainda em vida, fizeram sobre ele um filme em que a sua pessoa era denegrida ao máximo. Confessou publicamente que ainda pensou em mover um processo judicial aos autores dessa película, mas que, depois, pensando bem, o facto era que "estava vivo, e isso era o melhor".
Nunca escondeu ser cristão. Todos os dias participava na Eucaristia na igreja de S. João dos Florentinos. Um comentador não hesitou em dizer nestes dias que "Andreotti escutava os Papas, e os Papas escutavam-no".
Não estou, obviamente, a canonizá-lo. Mas, com todos os defeitos e com todos os pecados que possa ter cometido, Giulio Andreotti não deixa de encarnar, ao lado de outros, para o nosso tempo, a figura do político cristão.
O Senhor chamou-o para junto de Si no passado dia 6 de Maio. "Não era um homem raro - afirmou a sua advogada - era um homem único".
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