A co-adopção: algumas reflexões

DN 2013-05-30
CELESTE CARDONA

Há uns anos, exactamente na véspera de partir para uma intervenção cirúrgica a três aneurismas na cabeça, que, para me manter viva, careciam de ser "removidos", decidi, na qualidade de ministra da Justiça e de proponente, participar no Parlamento, na discussão do projecto de revisão da Lei da Adopção por mim subscrito.
Foi um dia difícil e um dia memorável e muito importante.
Nesse projecto estava consagrado, pela primeira vez, o conceito de "superior interesse da criança", com o intuito, entre outros, de flexibilizar e tornar mais célere o processo de adopção bem como de estabelecer regras imperativas que tornassem menos "traumático" para a criança a sua própria mudança de vida.
Lembrei-me de tudo isto a propósito do que tenho ouvido e lido em torno da co-adopção!
Li o projecto apresentado no Parlamento bem como as explicações que sobre o mesmo têm vindo a ser produzidas e quero, desde já, deixar uma advertência.
Considero errado este projecto, considero que do ponto de vista jurídico é um projecto que concretiza um "planeamento" que visa, a partir da sua eventual aprovação, que passe a ser possível a "evasão" aos efeitos da proibição legal de adopção de crianças por casais do mesmo sexo; mas não questiono nem ponho em dúvida as intenções e a boa-fé dos autores deste novo regime.
Exijo, pois, para mim, a mesma postura! Não sou menos culta, menos conhecedora das novas fórmulas de reprodução, menos avançada, mais "parola" ou até mais "radical" do ponto de vista social e comunitário. Não!
Feita esta ressalva, que espero vir a ser respeitada, deixem-me dizer e desabafar que nas discussões a que assisti não vislumbrei que o novo regime tenha em vista a salvaguarda do superior interesse da criança. É certo que o conceito não está formal e juridicamente consagrado.
Mas qualquer jurista experiente conhece os vários elementos de interpretação da lei e dos conceitos. Não vou aqui reproduzir a jurisprudência dos conceitos e a jurisprudência dos interesses, como escolas do pensamento jurídico legitimadoras da teoria da interpretação. Apenas refiro os elementos sistemáticos, históricos, literais e teleológicos.
Da aplicação de tais elementos ao conceito resulta que o mesmo deverá ser preenchido, entre outros e de forma significativa, pelo recurso à consciência social prevalecente.
A pergunta que me faço e aqui deixo é a de saber qual é então a "consciência social prevalecente" que pode justificar e motivar que o superior interesse da criança possa ser o de poder ter dois pais ou duas mães.
O superior interesse da criança, na minha concepção, e nos termos da lei de cuja revisão fui responsável, é garantido através da possibilidade que a lei abre a uma criança de se ver "reintegrada" no modelo familiar que, por força das suas circunstâncias e da vida, tenha "perdido".
Não existe, que eu conheça ou reconheça, um direito a ter filhos! Mas existe o direito a ter pai e mãe! Todos nós tivemos um pai e uma mãe. Dizem agora os mais cultos que já não é assim! Devo assumir que não entendo, mas levo esta incompreensão à minha própria incapacidade de entender que uma criança possa ser gerada sem ser por um homem e uma mulher!
Por isso, considero que o que está em causa, neste projecto, não é garantir o superior interesse da criança, pelo contrário, é o de garantir o interesse de pessoas que desejam legitimamente completar e enriquecer as suas vidas através da constituição de uma família de que façam parte as crianças. Compreendo até porque sou mãe e avó.
Mas então, porque é que se escondem atrás do biombo da co-adopção, criando deste modo, tal como a entendo, "uma fraude à lei", através de um planeamento de elisão? Porque não assumir que o que se pretende, para dar garantia aos valores que defendem, é estabelecer um novo quadro jurídico de adopção plena, em contradição com o actual regime que proíbe expressamente a aplicação deste instituto a casais do mesmo sexo?
É difícil, neste momento, eu sei. A "consciência social prevalecente" não o suportaria, estou certa! Também por isso, espero que o Parlamento "chumbe" este projecto!

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